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02-07-2012        Jornal de Notícias

Desconheço no momento em que escrevo estas linhas, sexta-feira ao fim da manhã, o resultado final da cimeira europeia ocorrida nestes dias.

Hoje observámos uma boa reação dos "mercados"; à decisão da comissão relativa ao "financiamento direto dos bancos junto dos fundos de assistência";, mas isso pouco significa, pois já assistimos a reações destas seguidas de agravamento dos problemas e, por outro lado, falta conhecer os pormenores que nos mostrem até onde as medidas podem ir.

No processo que conduziu a esta decisão há, contudo, uma ilação a tirar. As posições da Sr.ª Merkel e dos interesses que representa só mudam perante pressões determinadas e articuladas de outros governantes/países. O beija-mão e o seguidismo de Passos Coelho jamais alterarão a nosso favor o que quer que seja.

Entretanto, é suposto ser discutida a proposta de um fundo para o investimento e o emprego, construído com sobras do orçamento comunitário e algum reforço do Banco Europeu de Investimento, assim como um roteiro para várias uniões – bancária, orçamental, política. Sobre as instituições democráticas que poderão determinar as decisões que hão de sustentar essas uniões todas, nada é dito.

O silêncio acerca da efetivação da democracia, numa União Europeia já com forte défice dela, é significativo e preocupante. Representa a aceitação de uma união económica e política em que o poder efetivo residiria em "os mercados";.

Às instituições, constituídas por tecnocratas, caberiam as decisões inclusive através do poder de veto. Dir-se-ia que essa já é a realidade atual. Só que agora com um "ministro das finanças"; a substituir os parlamentos nacionais no exercício das competências que historicamente estiveram na sua origem: aprovar as receitas e as despesas de cada Estado.

Mesmo sem saber exatamente o que foi decidido, nem o que o governo português foi lá defender em nosso nome, é possível arriscar uma previsão: a União Europeia (U.E.) sai desta cimeira sem respostas para os grandes obstáculos que põe em causa o seu futuro e a soberania dos seus povos.

A austeridade está a aprofundar a crise em toda a Europa, sem resolver nenhum dos problemas que justificaram a própria austeridade – o défice e a dívida – como se comprova em Portugal com os dados hoje divulgados. Esse facto, a par da crescente oposição a este caminho certo para o abismo, está a ter repercussões no interior do próprio conselho europeu.

A esta cimeira os governos chegaram divididos, com uma parte deles comandada pela Alemanha a exigir uniões e mais uniões a prazo em troca de nada e, outra parte, algo mais sensata, a exigir intervenção imediata nos mercados financeiros e garantias de partilha do risco da dívida em troca de mais uniões.

O que podemos esperar de fracas decisões e do remeter as soluções para "uniões"; futuras? Provavelmente uma intensificação, a curto prazo, do ataque especulativo contra os bancos e os Estados periféricos ainda não totalmente intervencionados, isto é, à Itália e à Espanha.

A U.E. não conseguiu livrar-se a tempo dos políticos e das políticas que estiveram na origem da crise e deixou no comando os mesmos de sempre a remexer nos despojos. Os detentores do poder procuram, com uniões e mais uniões sem sustentação democrática, que os europeus os deixem eternizar-se no comando. A confiança política nestas classes dirigentes perdeu-se definitivamente. Os "de cima"; começam a não conseguir governar, apesar de os "de baixo"; não estarem ainda prontos para o que der e vier.

Os cidadãos da U.E., em cada país, podem não ter ainda uma ideia clara do que querem e de como o podem conseguir, nem dispor de recursos e instrumentos de luta social e política à altura das circunstâncias, mas já sabem bem o que não querem e, mais cedo que tarde, isto vai ter consequências políticas.

Os mandantes da U.E. parece andarem a congeminar a convocação de referendos, feitos sob chantagens, em que os povos sejam chamados a sancionar a suspensão da democracia. Há que acelerar e intensificar o combate social e político que lhes troque as voltas.  


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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