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27-05-2012        Público/Revista 2    [ pág. 8 ]

Ainda hoje tenho gravadas as imagens da Bai-xa Pombalina que João Botelho montou para o Filme do Desassossego (2010). A colagem vertical e delirante de edifícios, que surge sem aviso, num lapso de tempo, evoca o conceito de "sublime"; de Edmund Burke: o medo-espanto perante a grande escala, o horror e a incerteza a imporem-se ao "belo"; como nova categoria da modernidade. O terramoto de Lisboa e a elaboração de Burke são, aliás, contemporâneos.

Estas são as mais intrigantes e instigantes imagens de arquitectura que vi ultimamente sobre Lisboa. A Baixa é um sítio de claridade e de escuridão. A totalidade iluminista não deixa de ter as suas infiltrações; são as brechas poronde entra a luz. Por isso faz sentido que Fernando Pessoa seja o seu patrono, pairando como um fantasma, que sempre foi sendo. A Baixa e Pessoa são feitos da mesma matéria; o monumento ao poeta estava projectado ainda antes deste existir.

Mas está em curso uma despoetização radical da Baixa. Passando na Rua Augusta, mesmo na diagonal, somos arrastados pelo turismo pombalino: uma multidão internacional que avança implacável de confeitaria em confeitaria até ao Estaleiro do Paço.

A doçaria é o objecto principal do parque temático. A animação está a cargo do Homem da Metralhadora; do Faquir; do Homem que Cantava Salmos ( já não o vejo há algumas semanas); do Mozart Encaixado de Prata; da Mulher do Violoncelo; dos Homens Sem-Abrigo (a partir do final do dia). É tudo low cost e o reboco que estala na maior parte dos edifícios é a custo nenhum. Há ainda remanescentes casas comerciais que ou têm patine e alguma viabilidade ou vão desapare-cer; instituições como o Museu do Design e da Moda que apontam uma direcção; algum novo comércio que não é genérico; ateliers que se vão instalando; paquistaneses com supermercados abertos até à meia-noite. Mas às 20h, como qualquer estância balnear - no Inverno -, a Baixa fecha.

O turismo não é mau. O que é mau é o imaginário da Baixa estar a ser colonizado por uma urbanidade rasteira. É a ausência de expectativas. Se os estudos sobre a história pombalina são cada vez mais elaborados, o futuro que se prevê é cada vez mais simplista. A Baixa Pombalina é uma boa metáfora para o pa-ís: passado histórico, futuro low cost, sem objectivo ou desejo para lá do turismo do dia-a-dia. Deve ser por isso que as televisões debitam as estatísticas da crise sobre incessantes imagens da Rua Augusta.

A tematização da Baixa para um turismo da doçaria e da animação de rua é uma traição em relação à sua matriz e aura poéticas. Porque é um sítio especial, vibrante e arrumado como as várias cabeças pessoanas, custa que seja o sítio por onde os turistas passam a caminho de Lisboa. É por isso que as imagens de João Botelho são um projecto de arquitectura. Enquanto os arquitectos e técnicos afins estão sentados à espera que outra confeitaria e outro hostel procedam à "reabilitação"; da Baixa.  


 
 
pessoas
Jorge Figueira



 
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turismo    baixa pombalina