Na tacanhez normalmente associada ao Estado Novo, como é que se encaixa a passagem de arquitectos do Gabinete de Urbanização do Ultramar no curso de Arquitectura Tropical, na Architectural Association, em Londres? Em 1954-55, Luis Possolo, e em 1958-59, Schiappa de Campos e António Seabra, frequentam uma das mais prestigiadas escolas de arquitectura do mundo, num curso que é a linha da frente do estudo sobre intervenções nos "trópicos"; (um eufemismo para colónias ou ex-colónias).
As matérias versam questões de ordem técnica, "climatologia";, essencialmente, mas também a definição de uma correcta abordagem cultural do problema. Otto Königsberger, o guru do curso, diz que o "mais difícil"; é "evitar ser um missionário da superioridade do Ocidente";.
Neste episódio dá-se o encontro entre um organismo da tecnocracia do regime, que tem a responsabilidade de projectar edifícios públicos para o império, e a vanguarda arquitectónica da época. Não é paroquial esta abordagem. Como nada tem de paroquial a desmesura, o esforço brutal de construção, desde logo, nos países africanos ao longo do século XX até 1974.
As arquitecturas dos primeiros séculos da expansão têm mais patine histórica. Aqui os edifícios são de esforçada marca "portuguesa"; ou modernos. A eleição patrimonial é difícil porque o portuguesismo não é bem visto e o senso mais comum não reconhece a arquitectura moderna. Mas o século XX viu a afirmação de arquitectos como Vasco Vieira da Costa, Francisco Castro Rodrigues ou Pancho Guedes; e a consolidação de lugares extraordinários como o Platô na Praia ou a expansão da Baixa de Maputo ou a baía de Luanda.
É preciso finalmente reconhecer o esforço verdadeiramente descomunal na construção de hospitais, escolas, habitações, redes de estradas, infra-estruturas. Não só nas grandes cidades mas no interior dos territórios. Feito a partir e depois fora dos Gabinetes de Urbanização. Deixando exangue o país interior da metrópole e à custa de um controle burocrático impressionante. Vi no Arquivo Histórico de Cabo Verde fotografias de operários imobilizados, por cima de pedras do estaleiro de uma escola, comunicando à metrópole a falta de materiais.
A construção nos cinco países africanos do império português, em cerca de 50 anos, tem uma dimensão quase surreal. Que tem crescentemente interessado investigadores portugueses e internacionais. A nossa eventual má-consciência não pode ser um obstáculo para o levantamento e discussão do que até ao início da guerra colonial era um desígnio nacional. Há arquitectos comunistas a construir em África, mesmo antes das independências… A partir de 1950, é com a progressista arquitectura moderna que se faz o tecido colonial.
Há qualquer coisa de dramático e de sobre-humano nestas últimas décadas de um império com 500 anos. No coração do século XX. Regressar a África não pode ser só uma questão de negócios.