A revisão da legislação laboral que o Governo tem em curso configura-se, politicamente, como um processo perverso face às injustiças, às violações da Constituição da República e de princípios estruturantes do direito ao trabalho, nomeadamente inscritos na Declaração de Filadélfia (1944), face às contradições sociopolíticas que corporiza e aos argumentos carregados de falsidade em que é sustentado.
Governantes e deputados do PSD e do CDS/PP vão dizendo autênticos disparates sobre a matéria, fogem dos conteúdos objetivos e lateralizam a discussão com observações sem sentido como aquela em que o Ministro Santos Pereira afirmou que vai "ressuscitar e reabilitar o ensino técnico-profissional que foi esquecido durante tanto tempo";. Em que estaria o senhor a pensar?
Têm o descaramento de afirmar que a legislação laboral existente é "o grande obstáculo à contratação";, como se todo o processo de recessão económica em que estamos mergulhados, os fatores internos e externos a ele associados e o seu impacto demolidor sobre o emprego fossem inexistentes!
Por ignorância ou má-fé, disse Santos Pereira que a "nova legislação"; vai reforçar a proteção dos trabalhadores porque, ao passá-la "do coletivo para o individual"; se lhe dá eficácia. Esta teoria retrógrada foi derrotada no século XIX para permitir o progresso social e a entrada da democracia no espaço do trabalho. Numa perspectiva meramente institucional/reformista pode dizer-se que essa derrota deu origem àquilo que alguns juristas consideram o "fator mais democratizador do capitalismo"; – a consagração do Direito do Trabalho.
O pressuposto universalmente reconhecido de que os trabalhadores, individualmente considerados, estão na relação de trabalho em posição de fragilidade perante o patrão e que para reequilibrar essa relação é indispensável o direito de representação e ação coletiva, foi um fator decisivo para sustentar a emergência do Direito do Trabalho e essa extraordinária conquista que é a contratação colectiva, e para dar base e substância ao fundamental dos conteúdos das principais normas e recomendações da OIT. Sem a proteção coletiva no trabalho não teríamos Estado Social, nem Estado de Direito Democrático.
Fale-se verdade sobre o Código!
É falso que esta revisão do Código do Trabalho venha contribuir para o aumento da produtividade, e jamais reforçará a competitividade da economia numa perspetiva de vida em democracia.
É falso que vá aumentar o emprego, a não ser que o conceito de emprego abandone o princípio do trabalho com direitos, negue a Declaração de Filadélfia que expressa "o trabalho não é uma mercadoria!";, e incorpore pressupostos do trabalho forçado.
O verdadeiro objetivo destas alterações à legislação laboral é diminuir os custos do trabalho.
É este objetivo que deve ser exposto e discutido para se perceber a dimensão da barbárie, e as consequências sociais, económicas, culturais e políticas que resultarão para os trabalhadores e trabalhadoras, para as suas famílias, para a economia, para a sociedade no seu todo, para a democracia e o futuro do país.
Os trabalhadores e o povo não são de borracha! É verdade que a "alma colectiva"; acabará por se afirmar e fazer regressar novos sopros de justiça e avanços da sociedade, mas é imoral assistir de bancada ao sofrimento e ao retrocesso. Quem (indivíduos ou instituições) conhece minimamente o mundo do trabalho, quem ama a liberdade e a democracia - independentemente da sua formação socialista, social-democrata, comunista, social cristã ou outra -, em contextos destes, tem de ser solidariamente ativo. Por tudo isto, a posição do Partido Socialista é absolutamente inaceitável: nenhuma invocação de compromissos do passado pode tolher uma atitude que se exige de combate sério a estas alterações legislativas.
A construção de uma alternativa de progresso a este neoliberalismo terá de colocar as questões do trabalho e da sua valorização no cerne das políticas económicas e das propostas mais gerais de desenvolvimento da sociedade.