Portugal é há muito um barco inclinado para o Atlântico. Como que a demonstrar a sua tradicional vocação, este país pequeno e periférico da Europa parece querer dizer a si próprio que é, afinal - contra tudo o que dele se diz -, maior do que o espaço europeu. Andámos pelo mundo e só muito depois "aterrámos"; na Europa. Mas, nos anos 80 do século passado, quando caminhava ao encontro do seu "lugar natural"; no Velho Continente, a organização territorial do país alterava-se, concentrando a população, as infraestruturas e a atividade económica na faixa litoral e nas duas grandes metrópoles. Tal processo retirou protagonismo a cidades de média dimensão (de que Coimbra pode ser um caso exemplar) que ocuparam no passado um papel charneira neste país dual, dividido entre o campo e a cidade. O afluxo para os maiores centros urbanos configurou uma fuga para a modernidade, uma espécie de volúpia que, afinal, nos conduziu a uma encruzilhada, onde agora nos encontramos, sem bússola e sem mapa.
E precisamente por isso é que, hoje, no momento de crise, de bloqueio e de falta de horizontes que estamos a atravessar, é importante olhar para trás e repensar o papel do território e das pequenas e médias cidades. A ideologia dos anos 80 e 90, obcecada pelos fl uxos, pela "globalização";, a mobilidade, o mercado e a "economia virtual";, quase nos fez esquecer que a nossa vida é organizada no espaço e no território. Deixámos ao abandono inúmeras aldeias, vilas e campos de cultivo, em troca da "quimera do ouro"; de um emprego estável e de um imaginário estatuto de "classe média"; em Lisboa ou no Porto. Em toda essa vertigem, as cidades de média dimensão foram impotentes para estancar essa vaga de despovoamento do interior.
A grande fantasia de urbanidade e desafogo da classe média foi o corolário de um outro mito: o mito do "bom aluno"; que estava a cumprir todos os requisitos que a tecnocracia europeia exigia para alcançar a convergência e a maioridade. Nessa espiral de ilusões ficaram pelo caminho referências simples e tradicionais como o local, a aldeia, a rua ou o bairro numa pequena ou média cidade, isto é, esquecemos ou deixámos em plano subalterno as principais dimensões onde se organiza a vida quotidiana e onde reside a chave para o equilíbrio e a harmonia que dão sentido aos nossos projetos pessoais, familiares e comunitários. Se a revolução começa numa rua sem saída, é contra os bloqueios que a criatividade irrompe. Estamos num ponto em que tudo tem de ser posto em causa, tentando perceber os erros do passado e avançar com iniciativas inovadoras que recuperem para as nossas cidades uma nova função no equilíbrio territorial do país.
Coimbra poderia ser, a este respeito, um bom exemplo de reconversão. A "cidade dos estudantes";, cuja universidade acaba de celebrar os seus 722 anos de história, contém um potencial que lhe permite sonhar. Além da sua imensa riqueza - histórica, cultural e patrimonial -, concentra um invejável conjunto de saberes e recursos que vem honrando o país em diversos domínios científicos e tecnológicos. A localização geográfica da cidade e a própria dimensão constituem mais-valias que podem fazer a diferença, permitindo-lhe reforçar o seu estatuto de capital de uma região centro renovada, reindustrializada e competitiva. A candidatura da Universidade de Coimbra a património mundial da UNESCO pode constituir um momento de viragem. Mas para isso é necessário que as elites (académicas e políticas) da cidade saibam cortar com os erros do passado. Que sejam capazes de romper quer com o "academicismo"; pretensioso e fechado, quer com o "paroquialismo antiacadémico"; e preconceituoso. Unir esforços e mobilizar as forças vivas da cidade, nomeadamente os seus criadores e agentes culturais, mas também o potencial inovador da universidade são condições para o sucesso. A centralidade de uma cidade que é o centro geográfico do país, a sua proximidade de tudo, coloca-a em condições ímpares para pôr em prática o princípio da governança, enquanto democracia de baixo para cima, ao mesmo tempo que pode afirmar-se como cidade-tampão entre o interior e o litoral, e um "pivô"; importante para o desenvolvimento sustentável do país. Talvez assim pudéssemos reequilibrar o barco e orientá-lo para o rumo adequado.