Centro de Estudos Sociais
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08-03-2012        Visão

Prometi no último ensaio analisar as propostas que a sociedade civil está a preparar para apresentar na Cúpula dos Povos que se reúne no Rio de Janeiro  no próximo mês de Junho paralelamente à reunião da ONU sobre as mudanças climáticas, a Rio+20. Eis algumas delas.

Primeiro, a centralidade e a defesa dos bens comuns da humanidade como resposta à mercantilização, privatização e financeirização da vida, implícita no conceito de economia verde. Os bens comuns da humanidade são bens produzidos pela natureza ou pelos grupos humanos que devem ser de propriedade colectiva, diferente da privada e da estatal, ainda que, neste último caso, compita ao Estado cooperar na protecção dos bens comuns. A primeira mulher a ganhar o Prémio Nobel da Economia, Elinor Ostrom, tem dedicado todo o seu trabalho à análise da diversidade dos meios de gestão dos bens comuns, sempre com a salvaguarda do princípio de que o direito aos bens comuns é igual para todos. Os bens comuns são o contraponto do desenvolvimento capitalista e não apenas um seu apenso como acontece com o conceito de sustentabilidade. E para além do uso individual dos bens comuns, teorizado por Ostrom, há que ter em conta os usos colectivos de comunidades indígenas e camponesas. Entre os bens comuns: ar e atmosfera, água, aquíferos, rios, oceanos, lagos, terra comunal ou ancestral, sementes, biodiversidade, parques e praças, língua, paisagem, memória, conhecimento, calendário, internet, HTML, produtos distribuídos com licenciamento livre, wikipedia, informação genética, zonas digitais livres, etc. Os bens comuns pressupõem direitos comuns ou individuais de uso temporário. A água começa a ser vista como um bem comum por excelência, e as lutas contra a sua privatização em vários países são das que têm tido mais êxito.

Segundo, a passagem gradual de uma civilização antropocêntrica para uma civilização biocêntrica, o que implica reconhecer os direitos da natureza; redefinir o viver bem e a prosperidade de modo a não dependerem do crescimento infinito; promover energias verdadeiramente renováveis (não incluem os agro-combustíveis) que não impliquem expulsões de camponeses e indígenas dos seus territórios; desenhar políticas de transição para os países cujos orçamentos dependam excessivamente da extração de matérias-primas, sejam elas minérios, petróleo ou produtos agrícolas em regime de monocultura com preços controlados por grandes empresas monopolistas do Norte.  

Terceiro, defender a soberania alimentar, o princípio de que, na medida do possível, cada comunidade deve ter o controle sobre os bens alimentares que produz e consome, aproximando consumidores dos produtores, defendendo a agricultura camponesa, promovendo a agricultura urbana, de tempos livres, proibindo a expeculação financeira com produtos alimentares. A soberania alimentar exige a proibição da compra massiva de terra (nomeadamente em África) por parte de países estrangeiros (China, Japão, Arábia  Saudita, Kuweit) ou multinacionais (o projecto da sul-coreana Daewoo de comprar 1.3 milhões de hectares em Madagáscar) em busca de reservas alimentares.

Quarto, consumo responsável que inclui uma nova ética de cuidado e uma nova educação: a responsabilidade perante os que não têm acesso ao consumo mínimo para  garantir a sobrevivência; a luta contra a obsolescência artificial dos produtos; a preferência por produtos produzidos por economias sociais e solidárias assentes no trabalho e não no capital, no florescimento pessoal e colectivo e não na acumulação infinita; a preferência por consumos colectivos e partilhados sempre que possível; uma maior literacia sobre os processos de produção dos produtos de consumo de modo a poder recusar consumir produtos feitos à custa de trabalho escravo, expulsão de camponeses e indígenas, contaminação de águas, destruição de lugares sagrados, guerra civil, ocupação de tipo colonial.

Quinto, incluir em todas as lutas e em todas as propostas de alternativas as exigências transversais do aprofundamento da democracia e da luta contra a discriminação sexual, racial, étnica e religiosa, e contra a guerra.


 
 
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Boaventura de Sousa Santos