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15-08-2025        Público

Nos últimos anos, a política portuguesa mudou de forma profunda, reconfigurou-se. Em 2025, o Chega consolidou-se como segunda força política, com 60 deputados, e a AD governa sem maioria. A próxima grande prova de esforço serão as eleições autárquicas do próximo dia 12 de outubro. O risco para as forças democráticas é real: a extrema-direita apresenta-se mais visível, organizada e com discurso afinado para disputar o terreno local. A chave pode estar nas mulheres - e no seu voto.

O género está a mexer no mapa. À boca das urnas de 2024 confirmou o "gender gap moderno": as mulheres votaram relativamente mais à esquerda; os homens, mais à direita. Em 2024, os votos na IL e, sobretudo, no Chega foram maioritariamente masculinos, enquanto o PS, o BE e o PAN garantiram mais eleitorado feminino.

Há, porém, um desvio relevante: no Chega, as mulheres passaram de cerca de 1/3 (2022) para 2/5 (2024) do eleitorado. O partido mantém perfil masculino, mas cresceu mais entre as mulheres - e isso pode consolidar-se em eleições de proximidade, já nestas eleições autárquicas.

A investigação europeia recente ajuda a ler este movimento. Estudos sobre "masculinidade protetora" - a combinação de papéis de género tradicionais com nativismo e securitização ("proteger as nossas mulheres e crianças" de ameaças externas) - indicam três pontos úteis: (1) os homens têm maior probabilidade de partilhar estas atitudes; (2) elas explicam uma parte pequena, mas real da diferença de género; (3) homens e mulheres que as partilham mostram propensão semelhante para apoiar a direita radical. Ou seja, a clivagem é de crenças, não apenas "entre sexos", e atravessa também eleitoras. Ignorar isto é perder terreno onde ele existe.

Porque interessa isto em período de eleições autárquicas? Porque o nível local personaliza e materializa os enquadramentos "protetores". Para além do apelo a "proteger mulheres e crianças", há uma constelação de gatilhos populistas típicos: "combate à desordem" no espaço público (ruído, lixo, consumo aberto de drogas, ocupação do espaço), promessas de "limpar a cidade" e "tolerância zero", denúncia de "obras de fachada", "despesismo" e "tachos", baixas de IMI e taxas sem plano de compensação, prioridade aos "nossos" no acesso à habitação e apoios (chauvinismo do bem-estar), securitização da imigração (videovigilância, "fronteiras" simbólicas no bairro) e polémicas na escola (educação para a cidadania). Onde os serviços estão fragilizados - transportes, saúde de proximidade, manutenção urbana - estas narrativas ganham força, se não houver dados, prazos e resultados à vista para lhes fazer frente.

O contexto político-social recente reforça o tema. O Governo apresentou propostas laborais com impacto direto na parentalidade e no cuidado (alterações na dispensa para amamentação/aleitação, serviços mínimos em caso de greve em atividades feminizadas - como creches e lares, mudanças com potencial de maior imprevisibilidade de horários). Ao mesmo tempo, persistem quebras no acesso à maternidade segura (encerramentos intermitentes e partos em ambulância e na rua), alimentando a sensação de desproteção. A combinação de pressão nos serviços com a retórica securitária é precisamente o campo onde a extrema-direita prospera.

É hora de olhar para o substantivo da política local, para a governação virada para o cuidado da vida e dos quotidianos das pessoas, sem falhas, malabarismos ou culpabilização de terceiros

Parece-nos que, num tal cenário, não bastarão as esgotadas táticas das máquinas partidárias locais ou os slogans fabricados pelas empresas de marketing político. É hora de olhar para o substantivo da política local, para a governação virada para o cuidado da vida e dos quotidianos das pessoas, sem falhas, malabarismos ou culpabilização de terceiros. Uma pista: adotem uma abordagem de infraestrutura de cuidado, multisetorial: luz onde há medo; resposta com prazos a incivilidades; policiamento de proximidade articulado com ação social; apoio a vítimas; mediação comunitária; passeios e paragens seguros nas rotas do cuidado (escola-saúde-transportes), tudo com metas e com compromisso de prestação de contas. Dispute-se o voto das mulheres, sem paternalismos mas também sem os cinismos da presença simbólica nas listas. Garantam-se creches, ATL, cuidados comunitários a dependentes - a preços justos e horários compatíveis -; criem-se sistemas de informação e transparência no acesso a vagas; criem-se pactos locais para o emprego digno e justo; criem-se serviços eficazes e em rede de apoio a vítimas de violência doméstica; aposte-se em políticas de habitação sistémicas, ajustadas e com critérios transparentes de apoio e acesso.

Em síntese, nestas eleições autárquicas decidir-se-ão entre duas formas de "proteção": a performativa, que promete força, e a concreta, que cuida das pessoas e das comunidades com dados e provas prestadas. A extrema-direita apresenta-se forte e mais transversal do que antes; o voto das mulheres pode travar - ou consolidar - essa tendência. A estratégia vencedora é simples de dizer e exigente de cumprir: serviços à vista, metas com data, respeito pelas escolhas de vida. É assim que se disputa a proximidade - e se ganha onde a política toca à porta de casa.


 
 
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Mariana Santos
Rosa Monteiro



 
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