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08-02-2025        Jornal de Notícias

Está na moda substituir o conceito trabalhador por colaborador. O assunto merece reflexão. Alguns dirão que é apenas uma questão de semântica. Mas, não é. Nos planos concetual e científico é pura manipulação ao serviço de uma ideologia específica, que pretende estilhaçar quadros de relações de trabalho equilibradas e dignificantes, e funciona como travão ao desenvolvimento da sociedade.

A utilização daquele conceito é um tsunami que desvaloriza as qualificações, as profissões (velhas e novas), as categorias e carreiras profissionais. Os empresários sabem que temos falta de trabalhadores com profissões concretas, não de “colaboradores”. Dizem que é necessário (e é) valorizar o ensino técnico profissional e melhorar o perfil de especialização da economia, mas agem em sentido oposto. Uma boa parte prossegue no vício de recrutar trabalhadores com o melhor portefólio de competências possível, mas sem ter de as reconhecer.

Nas universidades, onde o conceito já entrou no léxico de muitos académicos, tem diminuído o estudo do trabalho e do emprego, das organizações, das profissões e seus significados. E há uma vaga de “especialistas” a tentar colocar o direito do trabalho ao serviço da gestão financeirizada da economia, dos pretensos determinismos tecnológicos, da promoção do individualismo exacerbado, baralhando os papéis dos contratos individuais e coletivos, ou dos regulamentos das empresas. Estes devem existir no quadro da lei, mas não substituem a contratação coletiva.

Institucionalizar o conceito colaborador, em substituição de trabalhador, significa negar os sistemas de relações coletivas de trabalho. Fere de morte as disposições constitucionais, as leis do trabalho e as convenções e recomendações da OIT.

Um sistema de relações coletivas de trabalho é constituído por quatro elementos: i) os atores, que são os sindicatos e as organizações patronais - a quem é atribuído, por lei, plena autonomia e a preocupação de terem equilíbrio de poderes entre si - e o Estado, através das suas instituições e de mecanismos próprios definidos pela lei; ii) o contexto, pois a eficácia de um sistema depende de uma identificação precisa da realidade, em cada situação concreta; iii) as regras, formais (as fundamentais são-no) e informais a respeitar; iv) os quadros de valores em que os atores se movem e que devem partilhar.

Se não há trabalhadores desaparece um dos atores, logo todo o edifício do sistema colapsa e instala-se o poder unilateral do empregador. Há atividades onde existem colaboradores. Mas quem colabora não está inserido, nem é protegido pelos quadros de direitos e deveres instituídos para os trabalhadores.

O conceito colaborador não tem qualquer enquadramento jurídico que possa substituir o de trabalhador. Como estão os atores do sistema de Justiça a lidar com esta moda? Trata-se de uma velharia que há muito tinha sido demolida pelos fundamentos do direito do trabalho. 


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
economia    trabalho    direito