O salário é a base primordial da sustentação da vida da esmagadora maioria da população. Ele é muito mais que o dinheiro que o trabalhador recebe no final de cada mês. Associado a uma relação de trabalho contratualizada e regulada, torna-se elemento de previsibilidade, de futuro, para a vida dos trabalhadores e das suas famílias.
O salário assegura o acesso ao sistema de segurança social nas dimensões que este garante enquanto o trabalhador está no ativo, e afiança o direito à reforma. O valor desta depende do salário declarado durante a vida ativa. O salário gera, também, pertença a um coletivo de interesses, o das pessoas cujo rendimento provém do trabalho. Coletivo esse a quem é atribuído o direito de intervir no sistema de relações de trabalho para fixar e rever o valor do salário e dos direitos e deveres a ele associados.
Exige-se um relembrar destes factos. Foram precisas muitas e duras lutas, no século XIX e início do século XX, para o liberalismo aceitar os compromissos inerentes àqueles significados do salário. O trabalho era tido como mera mercadoria, numa troca entre trabalhador e patrão e daí resultava uma jorna - pagamento ocasional sem qualquer outro efeito. Só perante a exploração, a violência e destruição das I e II guerras mundiais foi assumido, universalmente, que “o trabalho não é uma mercadoria”.
Os liberais da “modernidade” querem substituir o salário por prémios, por subsídios, por pretensos benefícios fiscais, em formas várias de prestação de serviços. Os seus três objetivos centrais são: primeiro, camuflar a desvalorização real da retribuição do trabalho; segundo, dissociar a retribuição de outros rendimentos a ela associados; terceiro, instalar o poder patronal discricionário, na determinação das remunerações. Trata-se da anulação dos instrumentos de justiça e de dignidade do trabalho criados pelas sociedades democráticas e progressistas.
Henry Ford considerava necessário pagar bons salários para que os trabalhadores tivessem poder de compra e adquirissem bens produzidos. Hoje, os neoliberais são meros serventuários da especulação financeira. Os fundos de pensões ou as políticas de imobiliário que defendem não são para servir as pessoas, mas sim para especular. Recheiam os “mealheiros” e quando consideram oportuno invocam uma crise e rapam o tacho. Numa semana em que foi tão evidente o valor fictício das ações das grandes empresas “modernas”, há que estar ainda mais alerta.
A discussão envenenada que o Governo parece ensaiar sobre a segurança social - cujo equilíbrio atual e no futuro próximo é seguro - exige combate a cenários catastrofistas manipulados e compromissos para a criação de mais e melhor emprego. As conversas sobre produtividade, competitividade ou crescimento só são sérias quando assegurada uma justa repartição da riqueza. Isso impõe respeito pelo conceito de salário.