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05-10-2024        Jornal de Notícias

Foi assinado, na passada terça-feira, por todas as confederações patronais e pela UGT, um “Acordo tripartido sobre valorização salarial e crescimento económico 2025-2028” (Acordo). É preciso amadurecer a análise do seu conteúdo, contudo é possível avançar-se algumas observações que ajudem na perceção dos seus impactos imediatos e a prazo.

Os sindicatos são muitas vezes acusados de organizarem a sua ação, movidos por agendas políticas. Todavia, no jogo de manipulação da agenda social (ou socioeconómica) para servir a agenda política, os mestres são os governos e os patrões. Utilizando uma expressão de um empresário conhecido, este acordo foi uma jogada bem-sucedida, para “destrunfar” o Partido Socialista (a oposição) na negociação do Orçamento do Estado.

O enviesamento estrutural e funcional da concertação social permite, quase sempre, a construção de maiorias para defesa de conteúdos ou de objetivos políticos que agradem às confederações patronais e à Direita. Sabendo disso, o Governo usa a concertação social contra os resultados eleitorais, que, como se sabe, não lhe foram muito favoráveis.

Os parceiros que aceitaram entrar neste jogo fizeram-no numa altura em que não era claro que o Governo viesse a ter força para incluir as suas propostas estratégicas de redução do IRC e do IRS jovem. Pode dizer-se que não foram plasmadas no Acordo referências concretas ao calendário e a modalidade: nos próximos episódios da negociação do OE ver-se-á melhor o alcance da jogada.

A redução daqueles impostos, nos termos que o Governo pretende, faz parte de uma visão classista e ultraliberal que o Governo quer instituir. O mesmo acontece com o incentivo, constante do Acordo, à privatização da saúde contido na majoração da despesa fiscal das empresas com seguro de saúde, ou com o favorecimento de capitalizações privadas na Segurança Social. Parceiros comprometidos com rumos progressistas da sociedade jamais podem ignorar estes factos.

O Acordo mantém a trajetória de valorização do salário mínimo nacional - longe do necessário e possível - que vinha de trás. Para o horizonte de 2028 faz um acréscimo de 20 euros. O Acordo recupera para a fixação de aumentos salariais a variação do salário-base, o que é positivo. Mas, ao ser omisso quanto à dinamização da contratação coletiva ou a uma interação entre concertação e negociação coletiva, podemos ter a certeza de que não haverá efetiva melhoria geral dos salários.

Os patrões valorizam o compromisso de aumento da produtividade “de forma a atingir em 2028 um valor não inferior a 75% da média da produtividade europeia”. Mas, o fraco perfil de especialização da economia portuguesa impede esse objetivo.

Os desafios colocados à sociedade portuguesa, à nossa economia e às empresas são enormes. O Acordo é uma inexistência estratégica para lhes responder.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
salário    patronato    trabalho    UGT    sindicalismo