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14-09-2024        Jornal de Notícias

O relatório de Mario Draghi, elaborado por solicitação da Comissão Europeia, é uma espécie de choro sobre o leite derramado. Três das suas recomendações centram-se na necessidade de mais investimento, de aposta na industrialização, e de aumento da produtividade. Ora, desde há muito, as políticas da União Europeia (UE) têm estado nos antípodas do que agora é sugerido.

Os países membros não promoveram investimento público por submissão a políticas orçamentais baseadas em cortes e cativações, com sacrifícios para os cidadãos e rombos no Estado social. O investimento privado dirigiu-se para o exterior, no quadro do livre comércio, procurando a redução dos custos unitários do trabalho, que Draghi defendeu. A UE continuou na onda da deslocalização da produção, desindustrializando-se. E somou atrasos no plano tecnológico e em áreas de produção de riqueza a ele associadas.

A evidência de perigosas tensões políticas e de choques entre países importantes da UE, o risco de explosões sociais e, acima de tudo, a estagnação da economia no seu núcleo central (realce para a Alemanha) fazem tocar campainhas. Já não chega “criminalizar” a periferia. Agora, estarão os responsáveis europeus arrependidos do caminho que impuseram? Assumem responsavelmente a situação da economia europeia, tendo presente a realidade geográfica em que nos situamos e as dinâmicas da economia global? Serão capazes de, com verdade, evidenciar as enormes implicações das guerras em que estamos envolvidos?

Um dos quadros relevantes do relatório identifica os três grupos empresariais que mais têm investido em I&D nos Estados Unidos da América (EUA) e na Europa, nas últimas três décadas. A UE surge dependente do setor automóvel, enquanto nos EUA o automóvel ficou para trás e hoje estão na dianteira os grandes grupos associados a tecnologias digitais. Acresce que os grupos europeus estão com enormes dificuldades em fazer a transição do motor de combustão para o elétrico. Os grupos congéneres americanos e chineses (com forte disputa entre si) lideram esta transição, também porque dominam a cadeia de valor, desde a matéria- -prima à conceção e distribuição, e beneficiam de políticas protecionistas fortes.

O relatório diz-nos que as empresas na UE pagam preços da eletricidade que são o triplo dos praticados nos EUA. No gás natural a situação é pior: o preço nos EUA é de apenas um quinto do praticado na UE. Há necessidade de os países da UE (o mais possível articuladamente) apostarem no investimento produtivo com qualidade, salvaguardando interesses próprios, e na modernização da economia com mais valorização do social.

Os europeus deviam estar a ser arquitetos da paz, em vez de se atascarem no belicismo. O fim das guerras na Ucrânia e no Médio Oriente e o retorno a vias de “interdependência estratégica” são indispensáveis, também para o desenvolvimento.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
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