Jorge Luis Borges (1889/1986) é um autor fundamental. Entretanto, confesso que chequei ao labirinto literário do portenho não através do seu Minotauro, mas indiretamente pelas mãos de umcronópio. Sim, caro leitor/a, foi Julio Cortázar que despertou o meu interesse pelo universo borgeano.
Explico-me, em entrevista ao jornalista Antonio Carizzo (Canal 11, 07/03/1984), Borges declarou seu orgulho em ser o primeiro a publicar o trabalho de Cortázar. Isto em 1947, quando era diretor da revista Los Anales de Buenos Aires. “Ele levou-me “Casa Tomada”, e após uma semana retornou para saber minha opinião sobre o texto. Disse-lhe duas coisas. A primeira, que estava a ser impresso e que Norah, minha irmã, seria a responsável pelas ilustrações”. Um dos maiores escritores do século XX a reverenciar aquele (até então) desconhecido que iria revolucionar a literatura latinoamericana em anos vindouros.
Entusiasmado com a anedota, iniciei-me em Borges através de seu último livro: “A memória de Shakespeare”(1983). É uma seleção de contos, anteriomente publicados nos mais populares periódicos argentinos, La Nación e Clarín entre eles, que mantém a atualidade existencial sempreà disposição de novas interpretações.
Se no primeiro conto, “O Princípio”, o mote é o valor abstratato que transcende a prece e magia para chegar a verdade dos fatos, foi em “A rosa do Paracelso” que o diálogo borgiano revelou-me a eterna condição humana de viver em aporia. A história descreve o encontro, forjado nas intempéries do destino, entre Paracelso - médico e alquimista suíço - e Johannes Grisebach, seu pretenso aprendiz.
Ambicioso, mas desconfiado, o aspirante a discípulo exige uma demonstração da prodigiosa força do mestre para sujeitar-se às artes alquímicas que indicam o caminho à verdade. “Das cinzas, tal como a Fênix, quero ver com meus olhos a aniquilação e a ressurreição da rosa”(p. 30).
O alquimista contesta, “se lançassemos esta rosa às brasas, acreditarias que fora consumida e que a cinza é verdadeira. Aí está a cinza, que foi rosa, e que não tornará. Digo-te que a rosa é eterna e que só a sua aparência pode mudar” (p.31)
Na sua cegueira, Grisebach não conseguia desvendar o cintilar da alma no poder da palavra. Desiludido, desistiu. Paracelso, agora só, “antes de apagar o candeeiro, verteu o tênue punhado de cinzas na mão côncava e disse uma palavra em voz baixa. A rosa ressurgiu” (p. 33).
Seria Paracelso um charlatão ou um visionário? Não importa, no espelho borgeano não há preceitos morais, mas possibilidades que se esvaem nas areais do tempo. Afinal, como diria Cortázar, “poucos entenderam o que queria dizer e quando se deram conta já era tarde”. Com um sorriso, assentiu o Mestre.