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18-08-2024        Público

Uma ordem recente do governo de extrema-direita hindu do estado de Uttar Pradesh, na Índia, que obrigava os proprietários de restaurantes e vendedores de beira de estrada muçulmanos a exibirem o seu nome de forma bem visível, fez lembrar a “era nazi”, quando os judeus, alvo de discriminação e de perseguições brutais, eram obrigados a usar emblemas distintivos. A 22 de Julho, o Supremo Tribunal da Índia suspendeu esta ordem. Mas os estragos já estão feitos. O medo apoderou-se dos muçulmanos indianos. Porque é que esta “ordem” atroz não abalou a consciência da maioria hindu na Índia? Porque é que os hindus em Portugal – gozando dos seus direitos de minoria – não condenaram esta ordem, em primeira mão?

Na gestão do primeiro-ministro nacionalista hindu Narenda Modi, os linchamentos e assassinatos de minorias estão a tornar-se comuns numa nação polarizada do ponto de vista religioso. A proeminência do renascimento étnico, o grande número de hindus que participam nessa violência e a subsequente falta de condenação daqueles actos levantam a mesma questão. Estará a maioria hindu a desenvolver uma “consciência nazi”? A ideia de "consciência nazi" refere-se à justificação moral do assassínio em massa de judeus durante a Segunda Guerra Mundial por parte dos cidadãos comuns alemães. O termo “consciência nazi” descreve a apatia geral em relação aos direitos humanos das minorias, à falta de respeito pela vida dos “outros” e a normalização da violência contra estes.

Na Índia, o hindutva – nacionalismo hindu – criou essa consciência nos hindus comuns, que justifica e normaliza a violência contra as minorias religiosas. Os hindus infligem violência quotidiana às minorias muçulmanas e aos dalits, os mais humildes no sistema de castas, párias e "intocáveis". Poucos se preocupam em intervir. A narrativa política hindutva condena as invasões passadas dos governantes muçulmanos e as atrocidades cometidas contra os hindus na Idade Média. A divisão da Índia em 1947 também tornou a maioria hindu hostil aos muçulmanos. Os privilégios constitucionais, como os direitos de família para os muçulmanos e as concessões religiosas, irritam a maioria hindu. Estes sentem-se vitimizados e inseguros – e os líderes hindutva manipulam estes sentimentos antimuçulmanos para obterem ganhos políticos.

A RSS ( Rashitriya Swayamsevak Sangh ), uma organização militante hindu, transformou o nacionalismo hindu numa ideologia hegemónica que propaga a exclusividade da religião e cultura hindus. O ideólogo do hindutva, Madhav Sadashivrao Golwalkar, afirmou que os hindus deveriam tratar as minorias do país da mesma forma que os nazis trataram os judeus. Com a sua frente política, o BJP de Modi, actualmente no poder, a RSS conseguiu influenciar a psique colectiva hindu, instigando a vingança contra os muçulmanos. Esta acção premeditada da RSS promoveu uma identidade militante hindu que se afirma agindo contra os alegados invasores "estrangeiros", como os muçulmanos e os cristãos. A cada motim etno-religioso, o "eu" colectivo hindu é gradualmente dessensibilizado e libertado da culpa de assistir à morte de seres humanos. Quando desenvolvemos uma "consciência nazi", passamos a considerar a violência moralmente correcta.

A violência tornou-se um aspecto essencial da política hindutva. Nesse sentido modo, poderíamos mesmo dizer que a maioria hindu desenvolveu uma "consciência nazi". Os hindus perderam a sensibilidade histórica em relação às minorias religiosas com as quais viveram durante centenas de anos. O nacionalismo hindu na índia pós-colonial beneficiou o BIP nas eleições. No entanto, ao mesmo tempo, o nacionalismo hindu prejudicou muito a harmonia da sociedade indiana. A ideologia hindutva virou os hindus contra os muçulmanos - embora, nalguns casos excepcionais, hindus tenham salvado a vida de muçulmanos.

O Estado hindutva de Modi desempenhou um papel fundamental neste processo. A impunidade sancionada pelo Estado para os envolvidos no linchamento de muçulmanos recompensou os responsáveis pelo incitamento aos motins. E o Estado tem perseguido constantemente aqueles que se manifestaram em protesto contra a intolerância hindu e a islamofobia. Em motins de grande escala, como os de Gujarat, em 2002, e durante a violência étnica em Manipur, os perpetradores eram extremistas hindus e as vítimas eram principalmente minorias étnicas religiosas. Além disso, os grandes motins acontecem normalmente com a cumplicidade do aparelho de Estado e da maioria hindu. Assim, a maioria não é um mero espectador passivo, mas participa livremente no ritual da violência

Modi tornou-se famoso pela sua cumplicidade no pogrom antimuculmano de 2002 em Gujarat. Construiu a sua carreira política com base na violência e no medo comunais. E a maioria hindu, que o reelegeu em 2019, guarda profundos ressentimentos contra os muçulmanos. De facto, um estudo revela que 0 BJP sobe nas sondagens após cada motim antimuçulmano. Desde 2014, sob o regime de Modi, apoiado pela RSS, o governo tem propagado estrategicamente narrativas antimuçulmanas. Os principais meios de comunicação social têm cultivado uma profunda animosidade em relação às minorias religiosas. Esta diabolização constante normalizou a violência contra elas.

A ascensão do nacionalismo hindu ao poder deu aos hindus "o poder de reclamar, e receber, impunidade para a violência por parte dos governos eleitos". Multidões de fanáticos hindutva lincharam muçulmanos e dalits. A violência contra estas minorias é normalizada; de facto, o governo de Modi parece mesmo apoiá-la. Vijay Narayan, um activista político em Varanasi, argumenta que a ideologia fascista do nacionalismo hindu é o que está a conduzir a maioria hindu.

Após a sangrenta divisão em 1947, para proteger a sociedade indiana do frenesim comunal e do fanatismo religioso, o secularismo foi adoptado como alternativa ao nacionalismo hindu. O secularismo indiano, único no seu género, está associado à tolerância religiosa. No entanto, ironicamente, a maioria hindu nunca abandonou a ideia de que a Índia é uma nação hindu. Rejeitou a tradicional tolerância hindu, uma ideia que permitiu a harmonia entre a população diversificada da India. 0 secularismo indiano não conseguiu impedir a ascensão do hindutva e o sectarismo das massas hindus. Enquanto as instituições públicas e os principais meios de comunicação social permanecerem sob a influência do governo nacionalista, a nazificação da maioria hindu continuará sem controlo. O alarme sobre a possibilidade de um genocídio muçulmano iminente já está a soar.

O enfraquecimento do governo de extrema-direita hindutva de Narendra Modi nas recentes eleições nacionais deu alguma esperança de sobrevivência à democracia secular indiana. No entanto, para alcançar a harmonia nacional, o Estado deve libertar-se do hindutva e adoptar o secularismo constitucional.
 


 
 
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Amit Singh



 
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