Tento observar as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América (EUA), tendo bem presente a minha condição de cidadão português e europeu, logo inexoravelmente inculcado de valores associados à democracia liberal, por onde temos andado, de facto ou fazendo de conta.
Em muitos planos, os interesses da União Europeia (UE) continuarão profundamente ligados aos dos EUA. Contudo, quando os dois candidatos presidenciais repetem “somos a maior nação do Mundo”, para vincar a condição de grande potência que não tolera a disputa de liderança mundial, os governantes europeus devem pôr-se alerta.
António Guterres, no dia 28, em Timor, observou que as “divisões geopolíticas que hoje existem no Mundo” não permitem consensos para soluções como aquela que há 25 anos deu a independência a Timor. E considerou que “ninguém hoje tem respeito por ninguém e por nada, não há respeito pela Carta das Nações Unidas, não há respeito pela lei internacional e também não há respeito pelas potências”. É preciso cooperação.
A loucura vem-se ampliando com guerras de diverso tipo, com desrespeito pelas instituições - dentro de cada país e entre países -, com desrespeito pelos cidadãos, pelas novas composições das sociedades, e cilindrando o caráter universal de direitos cívicos e políticos. Os EUA são e continuarão a ser uma grande potência. Observemos, então, alguns sinais que vêm dali.
Como europeu, custa-me a perceber como é que Donald Trump, que com toda a evidência tentou um golpe de Estado, não é condenado. Onde está o Estado de direito? Ele tem metade dos eleitores a apoiá-lo, apesar de juntar a sua marginalidade política à mentira compulsiva e ao insulto. E também dispõe do apoio dos grandes titãs do setor tecnológico, que não admitem que nenhuma lei condicione o negócio e a “liberdade de opinião”. Na Europa interessa discutir bem estas matérias: a sementeira de Trump está feita, e falsos determinismos tecnológicos cilindram direitos sociais e do trabalho.
Sem dúvida, Kamala Harris tem uma posição distinta de Trump no que se refere, designadamente, a direitos cívicos. Já no que respeita à nova ordem internacional e ao reposicionamento estratégico dos EUA, as diferenças entre os dois candidatos são essencialmente retóricas e ignoram os alertas do secretário-geral da ONU. Os dois estão viciados na política de dois pesos e duas medidas.
Ambos apontam os canhões de todas as guerras, incluindo a comercial, contra a China. E procuram delegar em países europeus missões relevantes visando estoirar a Rússia. Ambos defendem, e bem, a reindustrialização. Mas integram a indústria europeia nos seus interesses específicos, estreitando o nosso espaço de manobra.
No contexto destas eleições, estes são temas a discutir. Sem nunca perder de vista que o determinante nas escolhas políticas é a resposta aos problemas reais das pessoas.