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02-08-2024        Diário de Coimbra

A Praça 8 de Maio, cujo projeto é assinado pelo grande arquiteto português Fernando Távora (1923-2005), é o espaço público mais qualificado de Coimbra.

É importante recordar, para quem não se lembra, que a fachada da igreja de Santa Cruz se encontrava, desde finais do século XIX, prejudicada pelo tramo final da rua Visconde da Luz – que passava literalmente diante do templo - e que o acesso ao seu interior se fazia descendo umas escadas, apertadas e íngremes. O projeto de Fernando Távora, realizado nos anos 1990, teve o grande mérito de devolver a dignidade perdida à igreja de Santa Cruz, restabelecendo a cota original de entrada, desimpedindo a fachada e restabelecendo a relação urbana com as ruas que chegam à Praça 8 de Maio vindas do lado do rio – ruas Direita, da Moeda, da Louça e do Corvo.

É extraordinário que se chame “bebedouro para pombos” e “taça de água suja” ao espelho de água que o arquiteto concebeu para o centro da praça – um espelho que permite a belíssima fotografia (parabéns ao fotógrafo!) com que o Diário de Coimbra fez manchete na capa da edição de 30 de julho (“Estátua de D. Afonso Henriques proposta para a Baixa”), com o magnífico portal da igreja, em pedra de Ançã, refletido na água serena, justamente o efeito pretendido pelo grande arquiteto com o seu projeto. Se a água está suja (o que, em rigor, não tem acontecido ultimamente) é um problema simples de manutenção periódica.

Não é difícil imaginar que uma estátua nesse ponto central da Praça 8 de Maio teria implicações nefastas para a perceção do monumento que os subscritores da ideia dizem querer valorizar: passaria a ser um obstáculo para a leitura desimpedida da fachada da igreja de Santa Cruz (do portal de Diogo de Castilho, das estátuas atribuídas a Chanterene e a João de Ruão), seria um elemento “cheio” e volumoso, quando o que se pretendeu para o centro da praça foi justamente um espaço vazio, apenas marcado por um elemento raso, ao nível do solo, o espelho de água, que não impede a visualização da igreja e que recorda a presença que a água sempre teve neste espaço urbano. Como muitos sabem, a Praça 8 de Maio era antes conhecida como Largo de Sansão, nome de uma fonte que era rematada no topo por uma escultura do famoso personagem bíblico. Já antigamente, não tiverem, pois, a ideia peregrina de colocar a fonte no centro da praça, obstruindo a fachada da igreja, tendo o cuidado de a colocar a um lado, junto do prédio da atual farmácia, como mostra um levantamento de 1796.

Não tenho nada contra uma estátua de homenagem a D. Afonso Henriques, proposta pelo meu amigo Pedro Miguel Gon. Parece-me, contudo, que a sua realização comportaria alguns problemas – seria um retrato fiel do rei? Como, se não existe nenhum? Seria igual à de Guimarães, com um rei barbudo e de capacete erguendo uma espada, uma espécie de “estátua de D. Afonso Henriques II” ? Ou seria uma interpretação contemporânea do nosso primeiro rei, que depois, certamente, muitos dos atuais proponentes não iriam gostar…? Mas não a coloquem, por favor, no centro da Praça 8 de Maio. O melhor será mesmo cada um entrar na igreja e ver os túmulos do rei e o do seu filho, D. Sancho I, ambos na capela-mor. É esse o Panteão Nacional!

Não estraguem o que está bem feito, e que tem granjeado o reconhecimento internacional mais acreditado, como mostram as inúmeras reportagens em revistas e livros de arquitetura que a Praça 8 de Maio de Coimbra, e o projeto de Fernando Távora, tem merecido nos últimos 25 anos.

 


 
 
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Rui Lobo



 
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