Em março de 2023, Noam Chomsky - em parceria com Ian Roberts e Jeffrey Watumull - publicou “A falsa promessa do ChatGPT” no The New York Times sobre a “evolução” dos modelos de Inteligência Artificial (IA). Passado um ano, o jornalista independente polonês, Tomasz Konicz, retoma o tema em “Inteligência artificial e indústria cultural” para analisar as atuais consequências da inserção da IA na sociedade produtora de mercadorias.
Gostava de ater-me ao tema das contradições, da impossibilidade de reconhecimento e cumplicidade moral desta forma linguística de estar no Mundo. Isto porque, não obstante sua eficácia para compilação de dados para entabular probabilidades estatísticas, a IA é incapaz de discernimento e avaliação crítica que caracterizam o ser humano.
Neste contexto, o que está em questão é o propósito utilitarista desta ferramenta para diminuir os custos operacionais e ampliar o processo de criação de riqueza. O que, como alude Chomsky, ao analisar imensas quantidades de dados para extrair resultados estatisticamente melhores, criam a ilusão de proximidade com a linguagem e o pensamento humanos.
Entretanto, como (quase) tudo é uma questão de semántica, a IA não consegue distinguir os limites das possibilidades e, tampouco, de julgamento ético de suas ações. A não ser, como ressalta Konicz, através das variações do existente que são confirmadas com a exaustiva repetição até se conformar em realidade padronizada em milhões de terabytes de dados descodificados em bilhões monetários.
O que podemos constatar na inserção indubitável da IA na indústria cultural - em especial no desenvolvimento de jogos eletrônicos e no cinema. No primeira, o relato é de um artista gráfico sobre a irrelevância ampliada da criatividade humana em um ambiente dominado pelas modernas tecnologias de aprendizagem. “Meu trabalho é diferente agora desde que o Midjourney V5 foi lançado. Não sou mais um artista, agora só me ocupo em retrabalhar os modelos gerados pela IA” (Tomasz Konicz, 2024).
A máquina gera e o humano apara as arestas do que um dia foi apreendido como a experiência do belo (aisthesis). É o que presenciou o ator-produtor norte-americano Tyler Perry, que ao conhecer as capacidades de criação virtual do modelo de texto para vídeo Sora da OpenAI, desistiu de investir na ampliação de estúdios cinematográficos, pois, com essa ferramenta, “os investimentos em estúdios de cinema estão simplesmente ameaçados de obsolescência” (The Hollywood Reporter, 2024).
Neste Mundo de Ponta Cabeça, em que o ser humano deificado pelas conquistas tecnológicas perdeu o pressuposto da dominação (natureza/história e de si mesmo), o vazio deixado pelo Ser tornou-se a insustentável leveza da IA.