Há setores da sociedade, incluindo entidades patronais, para quem os desempregados devem ser colocados em estado de necessidade, como forma de se sentirem forçados a regressar ao trabalho, nem que seja com salários de miséria. Atualmente, insinua-se, falsamente, que está aí a solução para a falta de trabalhadores. Todavia, em tempo de populismos, a polemização gerada serve como cortina de fumo que esconde a falta de resposta aos grandes problemas do mundo do trabalho e da economia.
O Governo encarregou-se de colocar o tema dos “desempregados malandros” na praça pública e na Concertação Social, em sintonia com aqueles setores. A ministra do Trabalho, na audição parlamentar, na quarta-feira passada, disse, “sabemos que as pessoas recusam propostas de emprego com facilidade”, e reiterou que os “patrões têm queixas devido a falta de trabalhadores”. A ministra assume-se como comandante de uma expedição ao fundo do tacho dos desempregados, para rapar de lá uns malandros que estão agarrados às mordomias do desemprego.
Em Portugal há pouca proteção no desemprego. A taxa de cobertura das prestações de desemprego, em 2023, era apenas de 57,1%. Trabalhadores precários, muitos deles jovens, trabalhadoras(es) do serviço doméstico e desempregados que esgotaram o período de concessão, não têm acesso à proteção no desemprego.
A ideia de que as pessoas recebem subsídios generosos e não aceitam empregos porque ganham mais com subsídio de desemprego do que se estivessem a trabalhar não tem respaldo na realidade. O valor médio do subsídio de desemprego para os desempregados da componente contributiva (é a mais elevada das prestações de desemprego) era de 649 euros mensais, em maio de 2024.
Acresce que o subsídio de desemprego só é pago 12 meses e não 14 como acontece (e bem) com o salário mínimo nacional (SMN) e com a generalidade dos salários. Para efeitos de comparação do valor de salários com o do subsídio de desemprego, o valor médio deste é apenas de 556 euros. Conclusão: em Portugal o SMN (820 euros) é salário de pobreza e o valor médio do subsídio de desemprego vale apenas 68% do SMN, ou seja, é de miséria.
Talvez haja gato escondido com o rabo de fora. A ministra parece não perceber muito de segurança e proteção sociais. Naquela audição parlamentar, por vezes, não se compreende do que está a falar quando se refere a prestações sociais não contributivas e a relações destas com o SMN. Relembremo-nos todos: o subsídio social de desemprego médio, se fosse pago 14 vezes no ano, valia menos de 380 euros; o rendimento social de inserção (RSI) tem valor médio de 133 euros mensais por beneficiário e de 240 euros mensais por família. E são pagos apenas em 12 meses.
Mas, o verdadeiro problema não está nessas fragilidades da ministra. Ela é uma jurista com conhecimento profundo do Direito do Trabalho e das Relações de Trabalho. Conhece muito bem os caminhos e as armadilhas com que se atacam, de forma direta ou indireta, os direitos dos trabalhadores. Estejamos atentos.
Esta semana, em França, confirmou-se que só haverá democracia se houver respostas positivas para valorização de salários e rendimentos do trabalho, melhores pensões e não discriminações. Por cá vários setores profissionais mostram que vale a pena persistir nas reivindicações justas. É por aqui que podemos e devemos ir.