Para todos os seres humanos, a saúde é o bem mais precioso, o fator absolutamente decisivo para terem ou não uma vida boa. Trata-se de um inquestionável bem público, devidamente enquadrado no artigo 64.o, 1 da Constituição da República Portuguesa CRP. Defendê-lo é uma obrigação de todos os cidadãos, sem exceção, e da sociedade coletivamente organizada.
A conceção, organização e gestão do setor da saúde, desde logo do Serviço Nacional de Saúde (SNS), só podem ser feitas como exercícios políticos plenos. Todas as dimensões da vida humana têm de ser consideradas. Os interesses que se movem na área (muito apetecida para o negócio) devem ser controlados. As capacidades profissionais, técnicas e científicas têm de estar sobre a mesa na hora das decisões e na execução. Os dados pessoais, a informação em saúde e a implicação de cada cidadão no seu processo de cuidados são direito e propriedade desse cidadão; não podem pertencer aos profissionais, muito menos a qualquer entidade empresarial. Se há setor onde não cabe a gestão da economia financeirizada, é o da saúde.
Nas últimas décadas, a sociedade portuguesa teve profundas mudanças: i) as pessoas vivem muitos mais anos, mas com maleitas diversas e doenças crónicas, o que aumentou e onerou os cuidados de saúde; ii) cresceu, exponencialmente, a disponibilização de tecnologias e conhecimentos, a capacidade de diagnóstico e as aplicações terapêuticas; iii) alteraram-se as composições das comunidades; iv) temos agora uma população residente com quase um quinto de imigrantes com necessidades específicas de cuidados.
Todas estas mudanças acarretam transformações organizacionais (e até culturais), bem como alterações qualitativas na formação e educação dos profissionais, na valorização das suas carreiras, no trabalho em equipas multiprofissionais. Vários governos, em vez de responderem a estes problemas, utilizaram os bloqueios gerados para facilitar a entrada do negócio privado no SNS.
A lógica de medir a produtividade assente em atos isolados será, na maior parte dos casos, uma aberração. Contratar médicos tarefeiros - tratados como mercenários dispostos a trabalhar 26 horas por dia a troco de mais dinheiro - é um insulto aos médicos e a negação do trabalho organizado em equipas.
Portugal é um dos países com mais êxito nas cirurgias oncológicas, observando os resultados cinco anos após a sua realização, e é dos que utilizam mais medicação de vanguarda. Então, a melhoria do combate ao cancro está nos cuidados de saúde, que exigem trabalho contínuo e integrado do conjunto dos profissionais.
A maior parte dos seguros de saúde “oferecidos” pelas empresas aos trabalhadores ou a clientes são um logro: apenas dão acesso a consultas e cuidados pontuais. Quando há necessidade de cirurgias ou atos onerosos, esses seguros não cobrem. Mas são atrativos, pois o bloqueio que as pessoas mais sentem está no acesso a cuidados primários.
O Partido Conservador inglês foi esta semana arredado do poder e o fator que mais o desgastou foi a resistência dos ingleses em defesa do serviço de saúde. O facto de o nosso atual Governo ter plasmado no seu programa opções que desrespeitam a CRP não lhes confere validade.
Façamos da defesa e promoção da saúde a primeira grande barreira contra a qual há de chocar a governação hiperliberal da Direita.