As exigências das guerras trazem consigo a violação dos direitos fundamentais dos cidadãos, das liberdades, da dignidade, e sacrificam vidas humanas em todas as gerações. Em regra, como acontece atualmente na Palestina, as crianças são as primeiras vítimas. A guerra é algo muito sujo - foi este sentimento que se inculcou em mim na vivência da guerra colonial. Talvez seja o pior mal da Humanidade. A guerra é a crise das crises. Ela conduz às mais ignóbeis formas de exploração em geral e no trabalho em particular. Gera fome e miséria e deixa países absolutamente exauridos.
Então, porque há hoje tantos políticos e “comentadores oficiais”, civis e militares, na União Europeia (UE) e no nosso país - numa atitude quase simétrica à de Putin e suas elites - a fazerem rufar cada vez mais alto os tambores da guerra? Porque se exalta, pateticamente, a coragem para ir morrer e se cegam os cidadãos com doses contínuas de criação de inimizades inultrapassáveis?
Falam da preparação dos jovens para poderem ir para a guerra, como se a guerra fosse uma romaria, ou uma tourada, ou um jogo de futebol onde é preciso derrotar o adversário. Não! A guerra é feita por seres humanos contra outros seres humanos, para os aniquilar. Tem perdas incalculáveis. E, na era nuclear em que vivemos, as perdas podem ser fatais para toda a Humanidade.
Nada é mais precioso que a paz. É preciso que os sinos da paz se sobreponham aos tambores da guerra. A honra e a coragem estão na luta pela paz, num lado e no outro da barricada. Dela beneficiam todos os seres humanos, incluindo os próprios alienados com a ideia da guerra. É preocupante que a União Europeia (e países grandes que a compõem) esteja hoje totalmente desacreditada como potencial mediador de conflitos, sejam eles a guerra na Ucrânia ou o massacre a que a Palestina está sujeita. A UE tornou-se muito pouco relevante num quadro em que, no fundamental, está em jogo o puro poder das grandes potências. A fuga para a perspetiva de que é pela via da guerra, do aniquilar do inimigo, que vamos recuperar importância é uma perigosa infantilidade.
O almirante Gouveia e Melo fez, esta semana, considerações sobre “segurança”, “inimigos” e perigos, num contexto de guerra iminente. Entre várias afirmações disse “se a Europa for atacada e a NATO nos exigir, vamos morrer onde tivermos de morrer para a defender”. Tratou-se de uma proclamação simplista de promoção da guerra. Aquilo que se impunha era a defesa da paz e do espírito do nosso tempo assente na valorização da vida e da democracia. Além disso, o que foi dito constitui uma pretensa transferência de sentimentos patrióticos que se tornam insignificantes quando remetidos para uma entidade supranacional como a União Europeia, ou para algo mais abrangente ainda, como é o conjunto de países que constituem a NATO.
Necessitamos de menos belicismo, de uma mobilização de todos os povos europeus, incluindo o ucraniano e o russo, que nos conduzam para uma forte luta pela paz.
Há inimigos comuns a toda a Humanidade: a pobreza e a miséria, a fome, a doença, a falta de habitação e de água, a destruição do clima e do ambiente, a falta de trabalho digno. São estes os dramas que temos de derrotar. Façamos do combate a estes inimigos a nossa única guerra.