Passados 35 dias da tomada de posse do Governo AD, o que se pode observar quanto a conceções ideológicas e valores que enformarão as suas escolhas políticas e respetivas formas de atuação? Que sinais surgem sobre as prioridades da governação? Vêm aí respostas aos problemas fundamentais com que nos deparamos, ou temos de agir rápido contra reversões negativas?
Um setor influente na Direita, e empenhado na normalização da extrema-direita (com Passos Coelho à cabeça), formulou, no dia 8 de abril, na apresentação de um livro, instrumento de um movimento, um chorrilho de conceções ultraconservadoras, nomeadamente, sobre a família e o lugar da mulher na sociedade. Um dos participantes no evento disse: “O nosso objetivo com o movimento é procurar influenciar, designadamente as políticas públicas”. Entretanto, já arrancou, acelerada, a substituição de altos dirigentes da Administração Pública em instituições de grande sensibilidade, na ânsia de deitar a mão ao poder.
A alteração do logótipo do Governo só pode ser entendida como expressão saudosista de um rançoso nacionalismo monárquico. Um anacronismo que me fez lembrar o velho abade da minha aldeia (morreu em 1969) que nunca conseguiu digerir a vitória da República, em 1910.
A afirmação, “sugestão académica”, do ministro da Defesa considerando que “os jovens que cometem pequenos delitos devem cumprir serviço militar” e as explicações trapalhonas que se seguiram expuseram um pensamento que está fora do tempo e é insultuoso para as Forças Armadas. Um soldado da minha equipa de transmissões na Guerra Colonial embarcou sob prisão. Mais tarde, reequilibrou a sua vida, mas pelo meio foi desertor. Não foi a instituição militar a integrá-lo. O ferrete secular que paira sobre todos os que nascem na margem, ou que para ela são empurrados, é algo ignóbil numa sociedade democrática.
A escolha de Sebastião Bugalho para cabeça de lista da AD às eleições para o Parlamento Europeu não é anacrónica, mas é uma reversão: políticos são dispensados em favor de figuras mediáticas de ocasião; e é colocado em lugar relevante alguém empenhado em estender o tapete à extrema-direita para ela aceder ao poder.
O grande choque fiscal que a Direita prometeu em campanha eleitoral é, afinal, um enorme embuste. Como Montenegro e seus pares não são parvos, temos de concluir que querem fazer do povo parvo. Jamais virá das políticas fiscais da Direita, em particular de mexidas no IRS, contributo sério para melhorar o rendimento dos trabalhadores.
O valor médio dos salários reais dos portugueses devia estar 20% acima daquele que temos, mesmo considerando apenas a riqueza que hoje é produzida. O Governo trabalha artimanhas para colocar alguns tostões mais nos bolsos dos trabalhadores, mas à custa de piores serviços públicos e de perdas futuras nas reformas, não através do aumento dos salários. Estejamos atentos ao que será levado à Concertação Social. O Governo aponta soluções de consagração da unilateralidade do poder patronal. Enquanto não houver negociação coletiva a sério, aumentará a pobreza laboral e os salários não crescerão tanto quanto necessário e possível.
Este enunciado de factos mostra-nos que a prioridade da governação está longe de ser resposta aos problemas das pessoas.