Na programação de espectáculos - musicais, literários, teatrais - que compõem as celebrações do jubileu de Abril, o concerto “O rapaz de cravo ao peito”, realizado no último sábado no Salão Brasil, em Coimbra, foi sublime. Com concepção e performance do trio Vânia Couto, Buga Lopes e Constança Ochoa tivemos uma manhã com “canções cheias de memórias que entrelaçaram palavras dos livros biográficos e infantis sobre Zeca Afonso” (conforme o libreto) que fez muito bem ao coração e alimentou nossas almas.
O público, considerando que se tratava de um evento dedicado à infância, estava radiante. A chuva primaveril, em consonância com a cadência poética das letras musicais e da prosa desta personagem essencial para compreensão e importância das conquistas da“Revolução dos Cravos”,estabeleceu uma ditosa comunhão estética entre os pais e seus rebentos - míudos entre 5 e 12 anos.
O cantar, harmonioso entre as partituras e as histórias entoadas, foi magistralmente conduzido pela carismática Vânia Couto, mezzo-soprano de belíssima voz que tem na extensão do próprio corpo o complemento melodioso de sua guitarra. A partilha equilibrada com Buga Lopes (voz, violão e percussão) e Constança Ochoa (voz) seguia, mais do que o roteiro programado, o pulsar cordial dos grandes e dos pequenos. Um espectáculo sem paredes, com interação e participação contínua de toda a gente que, desde as primeiras notas, cingiu um mosaico de canções a embalar o idílio libertário. Destacamos, neste passeio, o livro “Um menino chamado Zeca”, de José Jorge Letria, ilustração Miguel Gabriel (Oficina do Livro, 2013), utilizado pelo trio para ludicamente elucidar os anos de formação e aprendizado do menestrel homenageado.
Nesta sinfonia chamada Liberdade, prevaleceram as sonatas e scherzos em versões inebriantes de “O menino do bairro negro”, “Venham mais cinco”, “No comboio descendente”, “Redondo Vocábulo” e, para manter inflamadas as centelhas da emancipação, “Grândola, Vila Morena”, sob a batuta da maestrina Vânia em um mágico adagiettoque levantou a platéia. Todos a marcar o passo ao ritmo contagiante e revolucionário de abril.
O final, apoteótico, fez referência aquele menino que nasceu com um cravo vermelho a germinar no peito. O José Afonso cresceu, criou canções que (ainda) pulsam nos mais distintos rincões deste país e, a cada novo abril, desabrocham em sua plenitude na alegoria dos craveiros em flor.
Após este espectáculo, inesquecível,nós saímos com uma certeza irrefutável. Enquanto não houver liberdade para todos,“aqui ninguém larga a mão” (2024). Minha, tua, nossa. Afirma a cantautora:“um mais um são muitos e muitas, de cravo na mão a cantar a revolução”.Viva Abril, hoje e sempre!