Um dos instrumentos que o Estado Novo utilizou para desenvolver as suas políticas foi o Estatuto do Trabalho Nacional, criado em 1933, inspirado na Carta del Lavoro de Mussolini. A liberdade de organização foi aniquilada e foram impostos aos trabalhadores os “Sindicatos Nacionais”, para servirem o Regime. Logo em 1936, Salazar, temendo que sindicalistas anticorporativos se candidatassem a eleições, atribuiu ao Governo o direito de substituir, “total ou parcialmente”, elementos eleitos para as direções dos “Sindicatos Nacionais”. Salazar e Caetano recorreram a esse golpe várias vezes e, muito em particular, entre 1968 e 1974.
Na segunda metade da década de 60 e depois, dezenas de direções sindicais foram conquistadas por trabalhadores que não aceitavam o corporativismo. Deitando mão de práticas de trabalho unitário e de massas, aproveitaram bem alguma mudança na estrutura económica e social do país; os efeitos da guerra colonial e da emigração; alguma esperança associada à substituição de Salazar. E fizeram uma interpretação hábil da legislação sindical marcelista, de 1969. As reuniões intersindicais, clandestinas ou semiclandestinas, surgiram aí (a 1.ª convocada a 1 de outubro de 1970) e rapidamente corporizaram, na prática, uma Central Sindical - a Intersindical. Logo em fevereiro de 1971, a PIDE/DGS via essas reuniões como “embrião de central sindical”.
Esse avanço organizacional trouxe uma agenda sindical nova e transformadora. Conteúdos inovadores para a contratação coletiva e uma boa estratégia negocial. Propostas para a redução do horário de trabalho, bem como para a estruturação do sistema de segurança social. Reclamação da liberdade em geral e do direito de reunião em particular. Propostas de criação do salário mínimo nacional.
Este sindicalismo foi decisivo para moldar o contexto social e político em que surgiu o 25 de Abril e produziu excelentes contributos para a nossa democracia. Primeiro, ajudou a que o golpe militar dos Capitães se transformasse em Revolução, com um papel relevante nas enormes manifestações do 1.º de Maio.
Segundo, a sua agenda municiou decisões dos governos provisórios para resposta à explosão de direitos de que os trabalhadores se sentiam credores. Até à entrada em vigor da Constituição da República (CR) - 2/4/1976 - houve imensa produção legislativa progressista.
Terceiro, a luta laboral e social refletiu-se no trabalho dos deputados constituintes, que deram relevante dignidade aos direitos e deveres dos trabalhadores na CR. Foi uma extraordinária conquista, que continua a ser ancoradouro para batalhas que aí vêm.
Quarto, a pluralidade, o universalismo, o prestígio e solidariedade desse sindicalismo proponente e transformador motivaram confiança nos setores que não tinham sindicatos, desde a Administração Pública ao setor agrícola, passando pelas pescas e outros. A vida sindical intensa que passou a existir, quer no setor privado quer no público, colocou os sindicatos como construtores de pilares fundamentais do Estado social de direito democrático, ao longo dos 50 anos da democracia.
É necessário o movimento sindical ser espaço onde se juntam para agir, na luta pelas transformações progressistas do mundo do trabalho e da sociedade, trabalhadores e trabalhadoras independentes, comunistas, socialistas e de outros partidos, católicos ou não católicos. A pluralidade favorece a construção de boas agendas e o seu sucesso.
A democracia não dispensa os sindicatos. Defendê-los e reforçá-los é responsabilidade de todos os democratas.