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16-04-2024        A Tarde

Entre as inúmeras personalidades, conhecidas ou esquecidas, neste jubileu da Revolução dos Cravos, os poetas merecem menção mais do que honrosa. A poesia, independente da fonte criadora, é a expressão mais sublime da condição humana. São nas suas enebriantes linhas, às vezes angustiantes pela veracidade futura, que navegamos no infinito mar da esperança entre vagas de racional insanidade.

Nesta busca frenética para apreender a realidade encontramos nas estrelas a orientação do caminho. Sempre em paralaxe, pois - em contrastre com o buquê dos cravos ofertados por Celeste Caeiro para simbolizar as espingardas da revolução em abril - os corpos celestes representam os bordões poéticos que alumiam o pecurso infinito para emancipação. São, em analogia a proto-bússola na Grécia antiga, ímãs que nos atraem para o suplantar dos tempos sombrios que insistem em perdurar. Agora, passados 50 anos, sob as novas faces do terror: o desemprego estrutural, a insegurança alimentar, o Amargedon ecológico, a apatia política e a escatologia das guerras.

Heterônimos tétricos esculpidos na ecoar da crise, mas não indiferentes ao cantar do trovador. Aquele que reconhece na mortalidade do ser o infinito do espírito. Aquela que, ao enfrentar a escuridão, renasce na luz do saber e obtém o cotejado louro olímpico dos Comuns.

Assim é a poesia - inspirada na verve irônica de Natália Correia, na utopia memorável de Lídia Jorge e na intervenção espacial de Sophia de Mello Breyner Andresen - orienta o percurso do caminhante no silencioso frio do amanhecer de um novo tempo. Permite, entre as refregas do tempo histórico, a intempestividade da vontade. Aproxima a loucura da obrigação em realizar mudanças. Converte, na falta do destino, a submissão em indignação. Organiza, sob os escombros do passado e as falhas do presente, o futuro insurrecional.
Em 2024, a efeméride de abril é - mais do que despertar a esperança adormecida e atentar contra as traições cometidas no tabuleiro revolucionário - uma imprescindível oportunidade para expressar na prosa política a poesia da vida. De exterminar, de uma vez por todas, com essa deplorável ladainha derrotista e de piedade própria que, cantada de forma intransigente, diminue a força e o tutano desta gente gigante que encontra-se, nas palavras de José Saramago, diminuída pela “insignificância cívica, sujeição por atavismo ou gosto de sofrer calado”.

Quiçá, inspirados pelos versos de Natália Correia, o próximo 25 de abril seja o romper da manhã na noite mística em que “seremos livres na prática quotidiana de um sonho difícil”. Se acontecer a culpa é das estrelas que, ao manter acessa a chama vermelha dos cravos, jamais perderam a ternura das rosas em flor.


 
 
pessoas
Antonio Carlos Silva



 
temas
poesia    liberdade    25 de Abril