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27-02-2024        A Tarde [BR]

Ao completar dois anos da guerra entre a Rússia e a Ucrânia, em 24 de fevereiro, resgato a leitura de um livro surpreendente: “The Warriors: reflections on men in battle” de J. Glenn Gray. Publicado em 1959, o livro passou quase despercebido em bibliotecas e livrarias até ser devidamente reconhecido por leitores/as interessados/as em compreender qual a relação da Guerra com a mercantilização de todos os aspectos da vida.

Professor no Colorado College (EUA), esteve oficial dos serviços secretos ao longo de quatro anos. Neste período registrou em cartas e diários suas memórias sobre as contradições humanas vivenciadas nos campos de batalha da II Guerra Mundial. “Warriors”, sem perder o vínculo com os sentimentos mais nobres de humanidade, questiona “o medo mais profundo dos anos de guerra era (...) se aqueles acontecimentos não tivessem verdadeiro propósito e não pudessem ter qualquer significado”.

Gray compreendeu que as guerras não são constantes antropológicas, mas dependentes das condições sócio-econômicas estruturais que desvelam as crises do capital. Deste modo, o filósofo atribue ao Progresso a necessária separação do indivíduo na natureza. Tal ruptura resulta em um comportamento exploratório sobre o meio ambiente e a subordinação das pessoas ao propósito irracional de criação de riqueza abstrata. Mais do que abarcar o eterno conflito entre a bondade e a crueldade, questiona, sob inspiração nietzscheniana, a “arrogância que faz com que os homens exagerem a importância da história humana em relação ao resto do domicílio da Natureza”.

Propõs, neste contexto, repensar o conceito de “estar em casa no Mundo” (Martin Heidegger). Afinal, sob um sistema no qual as pessoas são alienadas da sua própria subjetividade, ser reconhecido como humano é viver em constante estado de ser coisa passível de consumo e elemento de/para produção.
Estar em casa no Mundo, para Gray, é viver o presente e confrontar a realidade. Buscar, tal como relatado no episódio do livro sobre o encontro com o velho eremita, o dom da simplicidade. Esse estágio de maturidade intelectual que nos permite “começar a falar imediatamente de coisas importantes tão naturalmente” como se estivessemos fora desta sociedade - produtora de mercadorias - em que a paz é comprometida por crises perpétuas.

Nestas reflexões sobre as guerras (atuais ou já vividas) há, contudo, uma réstia de esperança nas conclusões de Gray: “estou confiante de que a luta para compreender a minha experiência como soldado na II Guerra Mundial proporciona uma perspectiva sobre o passado e o futuro que ajuda a reduzir as descontinuidades do presente monstruoso”.Afinal, em tempos de conflitos, são as vidas bens supremos?


 
 
pessoas
Antonio Carlos Silva



 
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