Há dois séculos assistia-se a um progresso económico, em particular no chamado Ocidente. Todavia, os seus impactos não chegavam àqueles que o produziam e às suas famílias. A riqueza de alguns coexistia com a pobreza profunda de uma imensidão de seres humanos. Essa realidade foi mudando ainda no século XIX e depois, fortemente, no século XX, fruto da indignação dos trabalhadores tornada ação, da sua luta persistente organizada coletivamente em sindicatos, e pelo papel destes em alianças com pensadores e atores políticos progressistas. A questão social tornou-se o cerne dos grandes problemas do caminhar da sociedade. Todas as forças sociais, políticas e até religiosas relevantes tiveram de se posicionar.
A essas lutas e atuações convergentes devemos o surgimento de partidos novos, com novíssimas agendas. Em decorrência das diferentes matrizes dessas forças e dos contextos tivemos, em algumas geografias, revoluções com enorme potencial transformador e, noutras regiões ou países, emergiram políticas que foram tentando compatibilizar capitalismo com mínimos de justiça social. As grandes revoluções sociais destes dois séculos e a afirmação do Estado social foram, em grande medida, produto dos impactos daqueles dois rumos e protagonistas, bem como das tensões entre eles. A afirmação da dignidade do trabalho e o respeito pelo papel dos sindicatos constituíram-se elementos decisivos para os êxitos alcançados. Nas duas vias, o seu abandono foi caminho para o desastre.
Duzentos anos depois, há de novo uma enorme questão social no centro dos grandes problemas da Humanidade. A concentração da riqueza é escandalosa, a ganância de uma ínfima minoria impera, o sofrimento dos trabalhadores e dos povos acentua-se. Hoje, como no passado, o capitalismo (na sua génese de sistema económico, social e político) não respeita, a não ser forçado, os direitos do trabalho, nem a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Além disso, dispensa a democracia.
Os avanços científicos e tecnológicos, a utilização do digital, da robotização e da inteligência artificial não estão a diminuir a penosidade e a precariedade do trabalho, nem são postos ao serviço da comunidade. É ínfimo o combate às desigualdades. Há retrocessos no respeito por civilizações e culturas, em afronta a mudanças geopolíticas e geoestratégicas em marcha. Desrespeitam-se povos que fogem dos impactos negativos das mudanças climáticas e ambientais e das guerras, ou os que fogem â fome e miséria.
Esta reflexão surgiu-me quando, ontem, assistia à sessão de abertura do XV Congresso da CGTP-Intersindical Nacional, que termina este sábado. Nele participam muitas centenas de sindicalistas dos mais diversos setores de atividade do país. Inúmeras centrais sindicais de todos os continentes fizeram-se representar. Parece haver consciência do valor da convergência na ação, da aposta na construção de identidades coletivas, de formação e rejuvenescimento de quadros para um trabalho unitário.
O direito a salários dignos negociados em contratação coletiva, a profissões e carreiras profissionais valorizadas, a sistemas públicos, universais e solidários de segurança social, ou à garantia da prestação de direitos fundamentais, são apenas algumas das “velharias” que farão parte de uma efetiva modernidade, ao lado de conteúdos novos inerentes aos avanços da sociedade.
O sindicalismo ainda tem muito a dar à sociedade no dificílimo quadro político que vamos viver. E todas as forças da Esquerda e progressistas lhe devem dar boa atenção.