Esta semana, à saída de uma reunião da CDU com o Movimento Erradicar a Pobreza, Paulo Raimundo disse com a-propósito: “precisamos, não de choques fiscais, mas sim de choques salariais”. É uma síntese bem formulada sobre um dos problemas centrais do país. As políticas de baixos salários tornam acidentada a vida de grande parte dos portugueses: provocam um nível de vida carregado de privações materiais, culturais e de participação cívica; sujeitam a juventude à emigração forçada exaurindo o país nos planos demográfico e económico; geram revoltas e frustrações que desacreditam a democracia; e vão cavando mais e mais desigualdades e pobreza.
Quase todos os atores políticos e económicos afirmam ser necessário o crescimento dos salários. Existem pronunciamentos (até do presidente da CIP em várias entrevistas) que convergem na constatação de que o valor médio dos salários de quem trabalha em Portugal devia estar entre 15% e 20% acima do seu valor atual. Contudo, os salários reais não têm crescido. A fragilidade da negociação coletiva que se arrasta, com pequenas oscilações, desde 2003 e as manipulações mais recentes (de setores patronais e do Governo) visando substituir o conceito de salário pelo de rendimento disponível por trabalhador têm atropelado as hipóteses de se pôr em marcha a melhoria dos salários.
Não é nova a ideia do “choque fiscal” como cura de todos os males, também dos salários baixos. Em 2002 o PSD anunciou o seu “choque”, mas tudo terminou reduzido ao aumento do IVA pouco tempo depois. Entretanto, foi cirúrgico nas alterações à legislação laboral para alavancar políticas de desvalorização salarial.
Na atual campanha eleitoral, o PSD acompanhado de toda a Direita, recupera as propostas da CIP de falsos aumentos salariais. O truque assenta em duas manobras: i) o Estado, aplicando o “choque fiscal”, abdica de receber impostos sobre o trabalho e os trabalhadores abdicam de parte das suas pensões futuras - pormenor de que os promotores se esquecem sempre de explicar; ii) os trabalhadores aceitam substituir aumentos salariais contratuais, que os empresários não podem pôr em causa unilateralmente (nem nenhum tribunal), por prémios e contrapartidas que os patrões podem reverter a qualquer momento (e a que os tribunais não se poderão opor) invocando dificuldades das empresas, verdadeiras ou falsas.
Toda a Direita - com mais requinte a Iniciativa Liberal - usa e abusa da demagogia que “o Estado é egoísta” e que chegou o momento de “o Estado fazer sacrifícios pelas pessoas”.
Os recursos financeiros do Estado não caem de nenhuma árvore das patacas, resultam dos impostos que as pessoas pagam. Ora, Portugal necessita muito de investir na saúde, no ensino, nas forças de segurança, na proteção social. Se o Estado substituir os patrões no pagamento de parte dos salários, ficam menos recursos para investir. Acresce que, para os trabalhadores e suas famílias, a principal componente de rendimentos indiretos a que podem aceder é terem acesso a prestação de direitos de qualidade naquelas áreas.
Em particular o PSD e a IL aparecem nesta campanha propondo novo milagre, segundo o qual bastará baixar os impostos para o crescimento económico acelerar. Não existe evidência de tal evolução. Pelo contrário, onde essa via foi seguida, o resultado consubstanciou-se em défices públicos gigantescos.
É tudo isto que não precisamos que nos aconteça, em particular agora. O pior acidente que poderá acontecer aos portugueses será estas propostas tornarem-se políticas governamentais.