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30-01-2024        A Tarde [BR]

As Olimpíadas (Moscou, 1980) serviram não só para consagrar o poderio soviétivo no desporto, mas também para desmascarar algumas falácias ideológicas propagadas no embate entre as duas grandes potências de então: URSS e EUA.

Para começar, o presidente Jimmy Carter boicotou a participação norte-americana nos jogos, justificando o desrespeito pela liberdade e autonomia do povo afegão com a invasão russa em 1979. Ironia do destino, em 2001, o Afeganistão foi palco de outra intervenção militar. Os Estados Unidos, sob o conspurcado manto democrático, entraram em guerra contra os ex-aliados e atual governo Taliban (que era aliado e dependente do Uncle Sam durante a ocupação russa).

O relevo geopolítico da Guerra Fria não tinha limites. Países externos à área do conflito também aderiram ao boicote promovido pelos Estados Unidos. Argentina e Chile, por exemplo, foram recompensados com ajuda financeira e militar para sustentação de seus governos ditatoriais. Ademais de serem beneficiados com a recomendação de Washington para ocultar, dos relatórios sobre Direitos Humanos, os crimes cometidos contra aqueles/as que buscavam transmitir para o Mundo o retrato da barbárie perpetrado em seus Estados.
Voltando às Olimpíadas, se por um lado o espírito de confraternização e alegria configurado em Misha, mascote dos jogos, buscava modificar a aparência feroz do urso russo em um camarada confiável e terno globalmente, a inteligência soviética aproveitou o oportuno momento para ampliar o ataque interno aos cidadãos/ãs indesejados. A condenação era irrefutável para os que se opunham aos ditames do Partido Único: prisão, hospício ou exílio.

Neste leitmotiv anti-emancipatório encontramos um dos mais geniais escritores russos do século XX: Serguei Dovlatov (1941/1990). Considerado um subversivo pela censura soviética - a KGB estava sempre em seu encalço - detinha uma capacidade única de aliar o humor afiadísismo com um olhar apurado das contradições humanas.

Seus livros, destacando “Parque Cultural” (1983) e “Ofício” (1985), desvelam a URSS em suas entranhas ao questionar sutilmente a realidade determinada. Após um curto período na prisão é obrigado a emigrar para evitar a loucura e escapar da pobreza espiritual. Nos Estados Unidos, com a publicação de seus contos na prestigiosa “The New Yorker” e com a criação da revista “Nóvyi Amerikanets”, recebe o merecido e tardio reconhecimento.
O curioso neste relato é a dialética da História, pois, tal como as lágrimas de Misha marcaram a cerimônia de encerramento dos jogos com uma miríade de sentimentos, Serguei Dovlatov compreendeu que, nas palavras do amigo e famoso fagotista Valéri Popóv, “a única tinta do escritor e seu próprio sangue”.
 


 
 
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