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09-12-2023        Jornal de Notícias

O “mercado de trabalho” português evidencia mudanças significativas e contradições que condicionam o futuro, em particular, dos jovens. A posição de classe da nossa família e o lugar onde nascemos determinam muito o nosso percurso de vida, no geral e no trabalho. Contudo, a aposta na educação e qualificação, a valorização do trabalho e das profissões e os impactos positivos do Estado social faziam funcionar o elevador social e contrariar, em muitos casos, posições de partida desvantajosas. O elevador apresenta-se bloqueado.

Estamos a desaproveitar o investimento que as famílias e o Estado fizeram na escolarização. Se os jovens entram numa atividade profissional para a qual têm sobrequalificação escolar, como hoje acontece com muito do emprego de baixa qualidade que lhes é oferecido, e se a perspetiva de fazer uma carreira é inexistente, a permanência nesse trabalho gera desmotivação e vai provocar rápida erosão dos saberes escolares.

Costuma dizer-se que, no início da vida ativa, “o que é importante é começar a trabalhar”, depois evolui-se. Este princípio está profundamente abalado face à excessiva individualização das relações de trabalho, às peias da precariedade, ao não funcionamento de instituições de proteção como, por exemplo, a contratação coletiva, e à ausência de preparação prévia dos jovens para entrarem no mercado de trabalho. Os jovens acabam por ter pontos de partida de nível muito baixo, que os condicionarão em todo o percurso futuro.

Um jovem vai a uma entrevista para o seu primeiro emprego totalmente isolado. Entra no leilão do seu salário, sem o mínimo de capacidade de defesa. Esta semana, um amigo com experiência no recrutamento de trabalhadores dizia-me que anda preocupado com o comportamento passivo da juventude: “entrevistamos jovens com licenciatura, mestrado e até mais, que evidenciam bons conhecimentos e capacidades e, quando chegamos ao fim e lhes perguntamos quanto pensa que pode ser o seu salário, respondem com o valor do salário mínimo ou pouco mais”. E acrescentava: “como para a esmagadora maioria destas pessoas as empresas não estão com progressões que vão acima dos 1350 euros, isto não dá nenhuma perspetiva de futuro”. Pois não! Mas, os culpados não são os jovens.

As empresas, quando recrutam jovens a quem se exige alguma qualificação, adotam esta malandrice de lhes perguntar quanto pensam ter de salário. Sabem muito bem que eles estão num estado de necessidade condicionador e, também sabem, que estas práticas cavam desigualdades e desrespeitam o princípio constitucional de “salário igual para trabalho igual.

A maioria dos empresários querem as universidades a preparar os jovens para serem “empreendedores” e “colaboradores” de funções indefinidas, e não para serem trabalhadores com profissões concretas. Este pretenso modernismo nega noções base sobre o valor das funções/profissões e sobre os direitos e deveres a eles inerentes.

As políticas de emprego estão afuniladas na responsabilização individual, quando a “empregabilidade” está muito dependente das políticas públicas e de compromissos coletivos. As famílias (os jovens têm pais) também estão subjugadas ao individualismo: raramente lhes mostram que não há direitos individuais sem ancoradouro coletivo. Os sindicatos, por seu lado, estão privados de importantes instrumentos de intervenção, e ainda se apresentam distantes destes novos desafios. Um dos grandes problemas da sociedade é melhorar rapidamente as condições  com que os jovens entram no mercado de trabalho.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
mercado    emprego    economia    jovens