WHAT NOT é o título de um livro pouco conhecido, diria mesmo ignorado desde sua primeira publicação em 1918. Comédia profética - ainda sem versão em português - estabelece a forma distópica que consagrou o “Admirável Mundo Novo” de Aldous Huxley (1932) e “Mil novecentos e oitenta e quatro” (George Orwell, 1949). Rose Macaulay (1881/1958), integrante do célebre Grupo Bloomsbury, revolucionou o mundo das letras ao promover uma sarcática crítica à engenharia social (eugenia) no crepúsculo da barbárie que foi a Primeira Guerra Mundial.
WHAT NOT questiona a estupidez de medidas totalitárias como solução para suplantar a torpeza da razão. Deste modo, a autora britânica concebe uma sociedade na qual o direito a ter filhos é controlado pelo Estado. A organização é do Ministério do Cérebro que, após rígida análise dos dados genéticos e confirmação de ausência de doenças mentais hereditárias, concede os melhores incentivos para gestação dos socialmente adaptados. Não obstante, os cidadãos que transgredirem a Lei e não atenderem aos critérios de seleção da Nova Política Social são penalizados com impostos progressivos até o limite da insolvência. Os efeitos psicossociais são devastadores, ao ponto da autora denunciar o crescente número de bebês abandonados por famílias para evitar cair na malha fria do Estado.
Rose Macaulay, apesar da densidade do tema, aborda tudo com finíssimo humor. A protagonista do livro, Kitty Grammont, é uma crítica contundente das estruturas autoritárias. Munida de ironia e senso de justiça, a funcionária do Ministério do Cérebro rompe com a moral determinada pelo Estado ao se casar com Nicholas Chester, executivo-chefe da instituição, mas rejeitado pelo controle reprodutivo porque tem uma irmã atestada com deficiência mental. O escândalo está armado. A imprensa, irresponsável e sem compromisso com a verdade, se encarrega de difamar o caso para cair nas graças do poder e, deste modo, ampliar a sua participação no lucrativo setor da comunicação social.
Em um Mundo cada vez mais abalado por guerras de ordenamento mundial e sob os auspícios da irracionalidade econômica, a distopia centenária de Rose Macaulay tem muito a dizer. Afinal, quando abrirmos os olhos e verificarmos o tamanho do abismo, talvez o sentimento seja o mesmo compartilhado por Kitty e Chester em uma das mais intensas passagens do livro: “De repente, como se ambos tivessem visto a mesma imagem, se olharam e riram com tristeza. De qualquer forma, os dois sempre poderiam fazer isso, embora sentados entre os escombros de carreiras arruinadas, princípios arruinados, ministérios arruinados, ideais arruinados. Era alguma coisa, talvez, num mundo triste e precário. O QUE NÃO é pouco”.