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07-10-2023        Jornal de Notícias

O primeiro-ministro afirmou, em entrevista à CNN Portugal, que em várias áreas, “a realidade tem avançado mais depressa” do que era suposto quando delineou algumas políticas. Será que os problemas com que o Governo se depara para responder aos anseios e necessidades dos portugueses resultam de uma aceleração imprevista da realidade, ou é o Governo que, em muitos casos, opta por “avançar” começando por meter a marcha-atrás?

António Costa é um político experimentado, conhece a coisa pública e os contextos internos e externos e é primeiro-ministro há oito anos. Quando chegou ao Governo, conhecia bem o ataque em curso à escola pública: as reclamações da Direita sobre “o direito de todos os portugueses” à escolha de escola; a teorização tacanha sobre o “excesso de professores”; o ataque aos sindicatos para estilhaçar a mediação (negociação) organizada e responsabilizável; a desvalorização das profissões e das carreiras, como elementos da precarização do trabalho e da desvalorização dos salários.

Travou uma ou outra loucura, mas rápido optou pela cartilha que vinha de trás.

O PM tem hoje uma leitura trapalhona, insuportável, sobre a Escola. Manipula impactos das opções que toma, improvisa teoria sobre a renovação geracional e as formações dos professores, persiste, contra tudo, em não resolver o problema da contagem do tempo.

Como autarca de Lisboa sabia que a Lei das Rendas Assunção Cristas era desastrosa, que era urgente reabilitar espaços das grandes cidades, que se aceleravam os problemas de acesso à habitação para os jovens. Não respondeu como devia, embarcou na panaceia do alojamento local inserido num turismo de baixo valor acrescentado, como resposta à falta de emprego qualificado. Os seus ministros da economia entraram no barco dos vistos gold e na produção de incentivos ao investimento imobiliário estrangeiro.

Na saúde, as políticas do Governo - excetuando o período da pandemia que contou com enorme generosidade e capacidade organizativa dos profissionais do setor - têm sido desastrosas. Propositadamente, confunde o investimento do OE em Saúde (setor que é um enorme balde roto por onde passam milhões e milhões para o privado) com o investimento no SNS. Ora, melhores serviços de saúde implicam o estancar daquele buraco, o reforço da estrutura, das valências, das competências profissionais no SNS e isso não tem estado a acontecer.

Nas políticas salariais, o Governo impôs na Concertação Social um referencial, para 2023, que se sabia ficar muito abaixo “da realidade” que o mercado induziria. Agora, quando a CIP (num exercício de marketing e manipulação) ajudou a acabar com o tabu dos aumentos salariais, o Governo não aproveita o facto para impulsionar devidamente o seu crescimento real. Dá espaço à jogada da CIP, vai definir um referencial que até o mercado, uma vez mais, confirmará ultrapassado. Entra no jogo da Direita que apresenta alterações na política fiscal como a banha da cobra que melhora os rendimentos das pessoas, que substitui os salários, que garante acesso à habitação e a “atração de talento”.

A Direita só tem para oferecer doses mais amplas do andar para trás. No dia 5 de outubro, Carlos Moedas, que gosta de se apresentar como moderado, mas achou que é tempo de se colocar em bicos de pés para entrar na lista de putativos candidatos a líder do PSD, já começou a roubar bandeiras à extrema-direita.

O PM pode não ser surpreendido pela realidade e ajudar a transformá-la positivamente.

É uma questão de escolha.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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