Em 1889, cinco dias antes da proclamação da República no Brasil, o 2º. Reinado estava em festa. A Ilha Fiscal, na baía da Guanabara (Rio de Janeiro), foi literalmente o palco do seu último grande baile. A mise-en-scène, com mais de 3 mil convidados, entraria para os anais como o mais extraordinário evento oitocentista nacional.
A solenidade em homenagem aos oficiais da fragata chilena Almirante Cochrane, entretanto, serviu para reforçar a insatisfação dos republicanos que exigiam - não mais conspiravam nos bastidores - o fim da monarquia. Enquanto Benjamin Constant, herói da Guerra do Paraguai, utilizava seus dons de retórica para arrolar a incapacidade do império em lidar com a nova agenda social e dinamizar o processo de modernização do país; o marechal Deodoro da Fonseca (o futuro primeiro presidente da República) declarava que “o velho já não governa” - em referência ao imperador Dom Pedro II.
O debacle do regime, contudo, não contou com o apoio popular. Pelo contrário, foi proveniente de um golpe militar assente na oliguarquia cafeeira paulista com o objetivo de proteger seus interesses econômicos. Como os barões do café não receberam uma indenização resultante da promulgação da Lei Áurea - que aboliu a escravidão no Brasil - resolveram romper com a monarquia e financiar a fundação da República.
Isto seguirá patente enquanto não se fomentar uma leitura crítica da estrutura sistêmica e atentar que as intempéries políticas são passíveis de transformação histórica. Na democracia de mercado a estrutura do poder permanece inalterada porque as representações políticas seguem o movimento das marés: vem e vão.
É o que podemos constatar a partir de um olhar mais apurado da atualidade nas obras do grande Machado de Assis. Em “Esaú e Jacó” (1904), por exemplo, o Bruxo do Cosme velho destila sua ironia mordaz para analisar as metamorfoses da política brasileira, que pode até mudar de cor, mas sem alterar a personagem: o protagonista camaleão.
No excerto a seguir, do capítulo 64, o autor descreve o diálogo entre o assustado confeiteiro Custódio e o conselheiro Aires para elucidar a versão laissez-faire, laissez-passer revolucionária.
- É verdade conselheiro, vi descer as tropas pela Rua do Ouvidor, ouvi as aclamações à República. As lojas estão fechadas, os bancos também, e o pior é se não se abrem mais vamos cair na desordem pública (...) Aires quis aquietar-lhe o coração. Nada se mudaria; o regímen, era possível, mas também se muda de roupa sem trocar de pele. O comércio é preciso. Os bancos indispensáveis. (p. 71)
Para minha surpresa o capítulo foi denominado PAZ! Se na República Velha éramos obedientes no silêncio, imperativo categórico, o que somos no presente?