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05-08-2023        Rua Larga | Revista da Reitoria da Universidade de Coimbra [2023]

Em janeiro de 2022, teve início o projeto ECO — Plantas e Animais em Produções Culturais sobre a Bacia Amazónica. Financiado pelo Conselho Europeu de Investigação e desenvolvido no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES), o ECO investiga a forma como diferentes produções culturais sobre a Amazónia dão voz a animais e plantas e revelam a interdependência entre humanos e não humanos. O projeto parte de pesquisas contemporâneas sobre as humanidades ambientais e do pensamento amazónico para analisar textos, filmes e obras de arte que retratam a fauna e a flora da região. A investigação visa reformular conceitos teóricos e ferramentas metodológicas das humanidades ambientais, adaptando-as ao contexto amazónico, ao mesmo tempo que procura analisar de que forma o estudo das cosmologias indígenas, ribeirinhas e camponesas da Amazónia pode contribuir para novos modos de encarar a relação entre seres não humanos e humanos, além de modelos extrativistas. Para diversas comunidades amazónicas, animais e plantas são entidades dotadas de agência e pontos de vista que resultam em mundos diversos, não redutíveis a uma mesma realidade natural estável e homogénea.

Neste cenário, animais e plantas, bem como uma miríade de outros seres não humanos, têm vida social, atuam e moldam o seu ambiente, o que se expressa em produções culturais. Textos, filmes e obras de arte sobre a Amazónia são o resultado de uma socialidade entrelaçada e complexa que reúne não humanos e humanos em processos de aprendizagem mútua. O ECO aborda a questão das múltiplas formas de expressão daqueles que tradicionalmente têm sido silenciados — povos indígenas e quilombolas, por exemplo —, estendendo este tema à vida não humana. Compreender que os não humanos não são um mero pano de fundo passivo que os humanos podem livremente moldar e adaptar aos seus interesses, assim como tomar consciência da inscrição não humana nas produções culturais de distintas comunidades, são primeiros passos para uma reavaliação de posturas éticas e políticas em relação aos animais e às plantas. O projeto conta com uma equipa interdisciplinar de cinco investigadoras/es das áreas de Estudos Literários e de Cinema, Antropologia, História, Sociologia e Filosofia. Em conjunto, estas/es investigadoras/es irão formular E Procurámos estabelecer um diálogo com a ontologia relacional dos povos amazónicos, para os quais muitas plantas são seres que, tal como os humanos, têm as sua perspetivas específicas. Como se configuram as interações entre plantas, seres humanos e outras entidades na bacia amazónica? Quais as contribuições do pensamento amazónico para as Humanidades Ambientais? Que imagens (alternativas) de humanidade revelam as plantas? Estas foram algumas das perguntas que serviram de mote ao congresso.

Para 2023, o projeto tem já planeada uma série de seminários online, abertos ao público, sobre diversos aspetos da Amazónia e das suas comunidades não humanas e humanas, uma discussão particularmente relevante num momento de transição política no Brasil, o país onde se encontra cerca de 60% da floresta. Está ainda planeada a organização de um congresso subordinado ao tema «Futurismos Amazónicos: Imaginários Além do Humano» em Lima, no Peru, onde se pensará a noção de futuro a partir de distintas abordagens teóricas e metodológicas que tomam a Amazónia e os seus habitantes não humanos e humanos como contexto político-especulativo central. Se a crise ambiental pode ser entendida como crise das referências do imaginário do Ocidente — das suas instituições, referências filosóficas, ideais políticos, etc. —, enfrentar o Antropoceno, bem como os riscos que impõe às condições de habitabilidade do planeta, requer formular outras ferramentas conceituais. Neste congresso, abordaremos práticas de conhecimento e filosofias indígenas, produzidas a partir de diferentes regiões da Amazónia, que se constituem como imprescindíveis para forjar caminhos possíveis para um futuro comum.

Estes eventos, assim como comunicações em congressos, publicações académicas, de livros, ensaios e artigos de opinião, ou entrevistas e outros materiais audiovisuais disponíveis na página do projeto, visam estimular o debate aca - démico e público sobre a Amazónia. Num momento em que a região e os seus povos estão cada vez mais ameaçados pela desflorestação associada a indústrias extrativistas como mineração, exploração de petróleo ou o agronegócio, que consideram a biosfera como um mero recurso ao serviço da humanidade, o projeto pretende destacar outras visões, não imperialistas, sobre os animais e plantas da região, chamando a atenção para formas de coexistência dos seres humanos com os não humanos num planeta partilhado de forma igualitária destas comunidades é determinado pelo seu contacto um enquadramento teórico que permita analisar obras de arte amazónicas como colaborações entre seres não humanos e humanos. Para este efeito, estão a desenvolver o conceito de zoofitografia, que descreve a inscrição de seres não humanos em diferentes culturas, descentralizando assim a humanidade como a única fonte de produção de sentido. Além do núcleo central de pesquisadoras/es ECO, o projeto conta ainda com um comité de acompanhamento composto por investigadoras/es destacadas/os na área dos estudos amazónicos, assim como com um conjunto de investigadoras/es afiliadas/os, que abrangem os mais variados campos do conhecimento e das artes, da Poesia ao Cinema e da Arqueologia à Medicina Indígena.

O projeto visa ter um impacto positivo em três áreas principais: investigação, formação de investigadoras/es e disseminação do conhecimento sobre a Amazónia. No que diz respeito à investigação, o ECO contribui para a pesquisa no campo das humanidades ambientais, aportando distintas perspetivas amazónicas sobre esta área. O projeto amplia o escopo dos estudos existentes sobre a expressão de animais e plantas amazónicos, geralmente restritos a géneros, línguas ou períodos de tempo específicos, e cria uma compreensão mais profunda de como as conceções dos não humanos amazónicos se transformaram a partir do início do século XX. O ECO procura também formar jovens investigadoras/es através de pesquisas de doutoramento em humanidades ambientais e da organização de cursos de formação avançada. Conferências, colóquios e outros eventos organizados pelo projeto destinam-se a um público mais amplo, de modo a promover outras perspetivas sobre as culturas, práticas de conhecimento e modos de existir amazónicos, nos quais os seres não humanos desempenham um papel fundamental.

O projeto contribui ainda para o debate público sobre questões ambientais urgentes como a mudança climática, a degradação da biosfera e a extinção generalizada de espécies no Antropoceno. No sentido de disseminar a reflexão sobre o tema do projeto junto da comunidade académica e do público em geral, o ECO organizou vários eventos ao longo de 2022. No colóquio «Rios da Amazónia: Afluentes Poéticos e Modernidades Contestadas», que teve lugar no CES, em maio, investigado - ras/es da área da Literatura reuniram-se para considerar o papel dos rios amazónicos nas comunidades indígenas e ribeirinhas da região, que deles se alimentam e que neles viajam e efetuam trocas comerciais. O imaginário destas comunidades é determinado pelo seu contacto próximo com os rios, que são frequentemente equiparados a cobras gigantes, considera - das fontes de vida nas cosmologias locais. Ao mesmo tempo, os rios, hoje utilizados como vias de comunicação e transporte ou para a construção de centrais hidroeléctricas, representam um elemento-chave nos projetos de desenvolvimento e inserção da Amazónia nos mercados internacionais. O colóquio analisou a relevância destes processos de modernização nos sis - temas fluviais amazónicos e as implicações que a atual gestão e apropriação destes territórios aquáticos está a ter na vida das comunidades indígenas e ribeirinhas da região. 

Em junho, o projeto organizou «EcoImagens: Festival de Cinema Indígena da Amazónia» na Casa do Cinema de Coimbra e na Cinemateca de Lisboa. O festival apresentou uma seleção de cinema indígena sobre a Amazónia, concentrado no vínculo dos povos da região com a sua terra, em diálogo com produções indígenas do resto do Brasil. As/os cineastas representadas/os neste festival, incluindo o realizador Kamikiá Kisedjê, do povo amazónico Kisedjê, que esteve presente em pessoa, e a realizadora Graciela Guarani, que participou remotamente, utilizam o cinema para documentar as suas vidas e para nos apresentarem a sua perspetiva sobre a sua terra. Em contraste com a representação da América do Sul e da sua população indígena como objetos do olhar ocidental, durante séculos, estes filmes trazem-nos uma visão enraizada no local. As/os realizadoras/es respondem ao desafio de usar a imagem cinematográfica não como forma de objetificação, mas como um convite para vermos o seu mundo com outros olhos. Através destes filmes, sentimos a Amazónia e o Brasil como lugares onde pessoas, animais e plantas convivem há milénios e onde lutam por continuar a coexistir neste mundo ameaçado pela destruição ambiental. Em outubro de 2022, o projeto ECO organizou ainda o congresso «Humanidade Vegetais na Amazónia». Neste evento, pesquisadoras/es refletiram sobre o conceito de «Humanidades Vegetais» a partir de uma perspetiva interdisciplinar e no contexto mais alargado do crescimento exponencial das Humanidades Ambientais na última década. A Amazónia, uma região conhecida pela sua sociobiodiversidade, e na qual as plantas têm um papel fulcral na cosmovisão de povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, constituiu o ponto de partida para uma reflexão multiespecífica sobre as plantas.

Procurámos estabelecer um diálogo com a ontologia relacional dos povos amazónicos, para os quais muitas plantas são seres que, tal como os humanos, têm as sua perspetivas específicas. Como se configuram as interações entre plantas, seres humanos e outras entidades na bacia amazónica? Quais as contribuições do pensamento amazónico para as Humanidades Ambientais? Que imagens (alternativas) de humanidade revelam as plantas? Estas foram algumas das perguntas que serviram de mote ao congresso. Para 2023, o projeto tem já planeada uma série de seminários online, abertos ao público, sobre diversos aspetos da Amazónia e das suas comunidades não humanas e humanas, uma discussão particularmente relevante num momento de transição política no Brasil, o país onde se encontra cerca de 60% da floresta. Está ainda planeada a organização de um congresso subordinado ao tema «Futurismos Amazónicos: Imaginários Além do Humano» em Lima, no Peru, onde se pensará a noção de futuro a partir de distintas abordagens teóricas e metodológicas que tomam a Amazónia e os seus habitantes não humanos e humanos como contexto político-especulativo central. Se a crise ambiental pode ser entendida como crise das referências do imaginário do Ocidente — das suas instituições, referências filosóficas, ideais políticos, etc. —, enfrentar o Antropoceno, bem como os riscos que impõe às condições de habitabilidade - de do planeta, requer formular outras ferramentas conceituais. Neste congresso, abordaremos práticas de conhecimento e filosofias indígenas, produzidas a partir de diferentes regiões da Amazónia, que se constituem como imprescindíveis para forjar caminhos possíveis para um futuro comum. Estes eventos, assim como comunicações em congressos, publicações académicas, de livros, ensaios e artigos de opinião, ou entrevistas e outros materiais audiovis

uais disponíveis na página do projeto, visam estimular o debate aca - démico e público sobre a Amazónia. Num momento em que a região e os seus povos estão cada vez mais ameaçados pela desflorestação associada a indústrias extrativistas como mineração, exploração de petróleo ou o agronegócio, que consideram a biosfera como um mero recurso ao serviço da humanidade, o projeto pretende destacar outras visões, não imperialistas, sobre os animais e plantas da região, chamando a atenção para formas de coexistência dos seres humanos com os não humanos num planeta partilhado de forma igualitária.


 
 
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Patrícia Vieira



 
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