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20-07-2023        A Tarde [BR]

Em Moscou, ainda sob a sombra de Stalin, o Progresso se apresenta com o que há de mais sedutor na miragem capitalista. Esse fenômemo, entretanto, não é para o desfrutar de todos, tal como constatamos na fachada das Galerias GUM. Uma família de ex-mujiques a aproveitar melancolicamente o sonho revolucionário transformado em distopia.

Esse conjunto de departamentos comerciais, construído no final do século XIX e nacionalizado por Lênin em 1921, após a derrocada soviética voltou a ser o símbolo da diferença entre os que concentram riqueza e os demais moscovitas: os Comuns. O que remete à família supracitada, que na figura de um casal de idosos a cuidar do neto evoca o paroxismo do poder frente à barbárie social. Um refrigerante, de 200 ml, comprado quente de um vendedor ambulante, é dividido entre os três no sorver libertário e consagrado pelo Mercado. Desde que tenhas dinheiro, serás feliz. Coca-Cola é isso aí!

Deambular pela cidade, entre avenidas largas e serpenteadas pelo rio Moskva, pode surpreender. Ainda mais se utilizar o mêtro que, muito mais do um meio de transporte, ostenta (em cada estação) museus subterrâneos adornados com os incríveis mosaicos de Grigóril Opríchko e Aleksandr Deinekâ.

Por exemplo, na estação Mayakovskaya, perdida entre diversos estabelecimentos comerciais, uma antiga livraria se destaca. O acesso, por uma minúscula porta, descerra uma imensidão de prateleiras empoeiradas que ocultam tesouros nas memórias de outrora. Quando lá estivemos, a iluminação excassa adivinhava dois semblantes. O primeiro, após quase imperceptível comando, aproximou-se e fez as honras da casa. Divagou sobre a indiferença da sociedade com relação às artes e, por conseguinte, do futuro incerto da literatura frente ao avassalador fenômeno das redes sociais. Ausente em devaneios, ele foi despertado pelo pigarrear sutil do proprietário da loja perdido nas sombras. O objetivo era lembrá-lo de sua missão: ganhar dinheiro.

O espetáculo estava a começar, o fetiche da mercadoria assumiu o repertório dos grandes ícones de uma URSS suplantada pelo ardil monetário. O fervor na exposição, quase religiosa do vendedor, encontrou na expressão propagandística da Revolução de Outubro a solução para abrandar a impaciência do empresário czarista frente ao nosso insustentável desejo de ter. 

Pensamos em Prissípkin, a personagem principal da peça “O Percevejo” (1928). Será que o futuro em forma de presente contínuo bate à porta? Desembolsamos dois dólares pela maltratada “Antologia” do poeta maior e deíxamos a livraria com uma certeza: “Moscou, lambes tuas feridas para estancá-las. Três vezes maldida! Diz o filisteu. Mil vezes gloriosa! Te exalta o poeta” (Vladimir Maiakovski)


 
 
pessoas
Antonio Carlos Silva



 
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