As desigualdades sociais estão a armadilhar crescentemente o desenvolvimento humano, o progresso da sociedade e a democracia.
Trata-se de um enorme problema no plano global e, muito concretamente, no nosso país. Muitos estudos se têm produzido e o Instituto Nacional de Estatística (INE), assim como outras entidades nas diversas áreas estatísticas, têm identificado e trabalhado indicadores que vão permitindo debate social e político sobre a matéria, e a adoção de algumas políticas públicas. Contudo, muitas vezes, são estudos parcelares, ou até feitos em bolha sobre focos muito específicos. Estes até obtêm impacto no plano comunicacional, mas facilitam políticas que atacam os direitos universais. Hoje, nesta matéria como noutras, a ilusão de uma alta especialização constitui, amiúde, a outra face do incremento da ignorância.
É imprescindível uma visão global sobre as desigualdades sociais em todas as suas áreas e na sua imensa imbricação. Isso é feito no Relatório sobre os Indicadores de Desigualdades Sociais, acessível no portal do INE. Trata-se de um relatório trabalhado, desde o final de 2017, por um Grupo de Trabalho (GT) constituído no âmbito da Secção Permanente de Estatísticas Sociais do Conselho Superior de Estatística, com envolvimento dos parceiros sociais (a ideia inicial partiu do representante da CGTP-IN), da Academia e de organismos da Administração Pública, e presidido por Renato Carmo.
O Relatório, bem enquadrado e suportado no plano teórico, tem um alcance maior do que a generalidade dos estudos sobre esta matéria. Beneficiou daquela ampla representação no GT e do caráter inovador adotado na análise dos indicadores de desigualdades, feito em cinco temáticas/áreas de desigualdades sociais (de forma integrada, mas com aprofundamentos específicos) para leituras globais: trabalho, emprego e proteção social; educação e formação; fiscalidade; habitação; e saúde.
O GT deitou mão de todos os indicadores, identificou novos e definiu muito bem os indicadores-chave. Esta via permitiu-lhe chegar a visões multidimensionais integradas. Neste trabalho é reforçada a constatação de que as desigualdades são multidimensionais e cumulativas. Quem está em desvantagem numa das áreas analisadas, em regra, está em desvantagem em todas. E neste estudo ainda falta o campo da justiça e outros.
Confirma-se que o mercado de trabalho (e o trabalho não é uma mercadoria) é uma área crucial na formação das desigualdades e, por outro lado, tem conexão profunda com desigualdades em todas as outras áreas. As políticas de desvalorização salarial e das profissões, as alterações vindas dos impactos (verdadeiros ou falsos) das tecnologias e da utilização de novos instrumentos e novas formas de organização do trabalho estão a colocar mais cidadãos em situações de desvantagem. No campo da fiscalidade, em que no senso comum se está a consolidar a ideia de que todos pagam impostos a mais, o que temos é uma subestimada desigualdade em sede de IRS, e uma desigualdade ainda mais profunda na distribuição da riqueza pelas famílias.
As recomendações inscritas neste Relatório são de grande importância. Merecem debate público e político. O Conselho Económico e Social não pode deixar de o tomar em mãos com tal objetivo, mas a sua discussão deverá chegar também ao Parlamento.
Só teremos políticas públicas eficazes com a sociedade informada e inconformada com políticas avulsas para encanar a perna à rã. As desigualdades sociais são multidimensionais e cumulativas.