Das terras fluminenses, para além do Cantagalo, Euclides da Cunha afirmou: “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Estava a descrever suas impressões sobre Canudos é a utopia emancipatória. Não poderia imaginar que após 26 anos da publicação de “Os Sertões” um nordestino, grapiúna de origem, iria conquistar seu valioso assento no Olympo das letras brasileiras.
Mencionamos Hélio Pólvora (1928/2015). Nascido em Itabuna, se destacou como contista, lançando sua primeira incursão livresca em 1958, com “Os galos da aurora”, enquanto vivia no Rio de Janeiro - a capital política e literária do país. Isto, sem perder a essência dos causos vividos, rememorados e criados nas paisagens cacaueiras do sul da Bahia.
Pólvora, assim como o flâneur em Walter Benjamin, perscrutava o sentido do Mundo e buscava compreender - em suas distintas tonalidades - as camadas psicológicas do indivíduo sob as idiossincrasias de um país marcado pela ausência (in)consciente de si mesmo.
Sagaz na conteúdo, perspicaz na forma, sua escrita rompia fronteiras. Jornalista, tradutor e crítico literário. Sobretudo era um grande contador de histórias. O que podemos comprovar com a leitura de “A força da ficção” (1971); “O rei dos surubins” (2000); “Inúteis luas obscenas” (2010); “O grito da perdiz” (2013); e “Mar de Azov” (1986) – vencedor do Prêmio Bienal Nestlé de Literatura Brasileira. Todas incursões linguísticas puras de prosa e enamoradas de poesia.
Contudo, foi com a deambular filosófico de João Pedro que nos aproximamos definitivamente do grapiúna. A leitura de “Dom Solidon” (2012) causou-me forte impacto. Ali estava o sentido de licença poética, do respeito e admiração pelas fontes que inspiraram o escritor. De Kafka a Dostoiéviski, com uma pitadinha de William Faulkner para apurar o tempero da narrativa.
Tivemos a oportunidade de conhecê-lo em um agradável serão de inverno. O encontro ocorreu na festa de aniversário de outro notável intelectual baiano, o Professor Soane Nazaré de Andrade. Nesta oportunidade, entre a sinfonia intercalada de vozes e o som da natureza em fúria, ficamos a apreciar da varanda o chegar do crepúsculo. Extasiados com o seu saber enciclopédico e sua memória titânica. Para ampliar o meu fascínio, entre uma referência dos clássicos da literatura e a análise do país frente a conturbada conjuntura global, ficamos a saber que uma das principais biografias do inigualável Jack London foi traduzida por ele.
Hélio Pólvora, na acepção da palavra, corporificava o mito euclidiano do nordestino. Não somente na alegoria hercúlea para enfrentar as adversidades, mas potencialmente para germinar - por meio das letras - o desejo inconteste de construir outro Mundo possível.