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28-04-2023        A Tarde [BR]

Se as águas de março fecham o verão tropical, como anuncia Tom Jobim na imortal voz de Elis Regina, em alguns lugares do planeta deixam um rastro luminoso de esperança no entoar primaveril de greves e manifestos contra a exclusão social na abertura da Primavera. Tanto lá quanto cá, entretanto, persiste a dúvida: sob a égide das leis do Mercado essa promessa de Vida não será relegada ao luto eterno do coração?

Neste mês a França, Alemanha, Reino Unido e Israel tiveram na mímesis temporal momentos de despertar revolucionário contra as falácias governamentais resultantes do atual estágio da crise estrutural do capital. As ruas de Paris, Bordéus, Nantes, Rennes e Lorient foram arrebatadas por protestos contra as medidas da reforma previdencial do presidente Emmanuel Macron. Na Alemanha, uma greve de proporções nacionais paralisou os transportes públicos em defesa de maior participação sindical nas negociações salariais. Na Inglaterra eclodiram greves em vários setores - com especial destaque para saúde, educação e transportes - denunciando a responsabilidade do Parlamento sobre o exponencial aumento no custo de vida. A inflação no país já está em 10,4%, o que levou o Banco Central a indexar em 4,25 % a taxa de juros para 2023.

Indignados, os cidadãos de Israel se contrapõem ao projeto de reformulação do sistema judiciário proposto pelo Premier Benjamin Netanyahu. Na trilha dos governantes totalitários, com o apoio dos principais partidos ultranacionalistas no país, ele quer revogar qualquer decisão da Suprema Corte que contrarie a estabilidade de seu poder.

Não obstante, se a Primavera vibra em consonância com a questão social devemos ser prudentes para que esse rastro luminoso não se torne um arremedo de esperança. Sentimentos de solidariedade, organização espontânea e interesse coletivo estão vívidos na nossa memória recente. Mas, tal como a Primavera Árabe demonstrou, a luta por democracia não pode ser confundida com a banalização de privilégios.

Para vislumbrar uma real Primavera, em que as pessoas alcançarão a redenção, não podemos negligenciar que a lógica do capital preza pela irracionalidade na criação de riquezas. Portanto, mesmo no fundo do poço há sempre a possibilidade de nos depararmos com um poço mais fundo ainda se substituirmos a ideia de emancipação social por reflexos inertes que levam à paralisação.

Afinal, “os atores-sociais não devem ser constituídos a priori e presos à forma-mercadoria, mas um movimento constante de emancipação social que se constitui a si próprio” (Robert Kurz). E, como as águas de abril no fim do caminho - entre paus, resto de toco, cacos de vidros e nunca sozinhos - serão a promessa de Vida a bater como um só coração.


 
 
pessoas
Antonio Carlos Silva



 
temas
riqueza    exclusão social    capital