Ser paciente. Tudo em seu/nosso tempo, para não deixar palavras correrem sem razão. Como historiadora, não presenciei Sérgio Buarque de Holanda (1902-82), mas li e interpretei. A intergeracionalidade se fez presente e outro familiar encantou. Nas últimas “monções” (1945), (re)descobrimos as “raízes do Brasil” (1936), cantamos nossas gentes e recuperamos a “cordialidade” (no sentido dado por SBH e no cotidiano). A língua portuguesa/brasileira vai além da gramática e ganha sentido quando juntam-se pessoas para reconhecer palavras escritas e cantadas. Reconhecer Chico, um de seus filhos, é recuperar História.
A “visão do paraíso“ (1959) nem sempre foi alcançada. Entretanto, como luso brasileira fico emocionada - por mim e por tantas pessoas - de acompanhar um momento tão especial. Chico Buarque recebeu ontem, em consenso nas relações internacionais, acadêmicas, culturais, unindo instituições de vários países, um Camões (deveria ter sido entregue em 2019), um dos galardões da literatura em língua portuguesa. Uma espera de quatro anos por conta de parvoices, tacanhices e decisão nada diplomática, além de ataque às culturas e educação.
Não foi considerado um prêmio individual, mas momento simbólico: “Faz uma ilusão. Soletra um verso. Lavra a melodia. Singelamente” (Minha canção,1976). Que seja dedicado e contado para Bernardo e Benjamim (obra de 1995). Meninos e meninas que merecem escolas seguras, aprenderem sobre Sérgios, Chicos e Zecas e quem mais chegar com intuitos e principios de ser, viver e conviver.
Chico e Zeca são rapazes que viveram migrações, ditaduras, guerras, universidades (São Paulo e Coimbra). De faculdades de Letras e Arquitetura sairam também as potenciais intervenções de cada um. Canções, peças, escritos. Entre fados, sambas e protestos, escolheram “caminhos e fronteiras“ (SBH, 1957).
Que ilusões de liberdade continuem a convocar artistas, escritores/as, intelectuais. Sem versos, sons e outras artes, não há sentido. Nas letras de Zeca Afonso (1929-87), “o povo é que mais ordena“ (Grândola Morena, 1974), somos nós, em busca de justiça social, liberdade e mundos menos desiguais, insanos e radicais.
Para quem viveu ditaduras ou democracias truculentas (tanto em Portugal como no Brasil), vermelhos podem ter significados distintos. “Obscurantismo e negação das artes“, confirmou o homenageado, matizam tempos dificeis. Salas, auditórios, estádios e palcos vestidos de vermelho, de ideias que juntam ambas as nações e gentes. Que venham as bandas, de abril, de grândolas, cravos e alecrins. Afinal, “a minha gente sofrida despediu-se da dor. Pra ver a banda passar, cantando coisas de amor" (A Banda, 1966). Ou pelo menos, o desejo de tempos ensolarados.