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08-04-2023        Jornal de Notícias

Os episódios recentes do folhetim TAP propiciaram ao presidente da República, segundo notícias vindas a público, a convocação dos partidos políticos para audições em Belém. Dir-se-á que não falta matéria para reflexão.

Observemos, entretanto, uma caraterística política nova que surgiu esta semana: a Direita - através dos comentadores de serviço e de figuras de referência desta área política - colocou o megafone da reclamação da dissolução do Parlamento nas mãos do Chega. Tal constatação indicia que o processo para a legitimação da extrema-direita pode estar mais avançado do que aparenta, e que as fragilidades da governação aceleram perigos.

Num regime democrático, as atitudes infantis ou a impreparação política dos governantes não servem como justificação dos seus atos. Por outro lado, as fugas à verdade, a negligência ou os abusos de poder não cabem mesmo aí. É preciso humildade e consciência de que os direitos fundamentais das pessoas não são os que emanam da sua condição de contribuintes. São, acima de tudo, os que nos comprometem como coletividade, como sociedade democrática, onde a governação se concretiza em favor do bem comum.

"A República Portuguesa é um Estado de Direito Democrático" (art.o 2º da Constituição). Quem se senta num gabinete ministerial para o exercício de funções governamentais devia estar consciente de dois factos estruturantes daquela designação: i) o direito a ocupar aquele lugar foi conquistado às elites possidentes com sangue e lágrimas de imensas gerações; ii) as pessoas que aí se sentam não podem, nunca, esquecer-se de que estão a desempenhar funções em nome do povo e para o povo.

Todos os governantes devem estar preparados para exercer os seus cargos em representação da soberania popular e não por emanação de qualquer tipo de divindade. Nem uma maioria absoluta, nem as "leis" do "deus dinheiro" podem homologar poderes supremos.

O Estado de direito democrático impõe, também, o respeito pleno entre os órgãos de soberania. A efetiva separação de poderes é condição indispensável para soluções democráticas de governação. António Costa tem a obrigação de já ter percebido, há muito tempo, que aquilo que começou como brincadeira entre Marcelo Rebelo de Sousa e ele próprio - a partilha de um mesmo guarda-chuva - se transformou de forma progressiva e cada vez mais acentuada, num buraco negro de forte sucção de agendas e de atores da governação, e de aniquilação da autonomia do Governo.

O presidente da República, que fintou a obrigação de ir à tropa em tempo de guerra, fez a sua aprendizagem em minas e armadilhas nas guerrilhas políticas e especializou-se na técnica do cerco. Progressivamente, foi adquirindo capacidade de impor remodelações governamentais (sempre pontuais), de proteger governantes menos capazes - cujo número é significativo no conjunto -, de identificar ministros "cuja queda arrastaria queda do Governo", no dizer dos comentadores de serviço. O primeiro-ministro é hoje uma espécie de treinador sem direito a escolher a equipa.

É verdade que o presidente da República não tem solução à Direita para oferecer como alternativa política ao atual Governo do PS. A não ser que entre no jogo de estender a passadeira vermelha à extrema-direita, opção que há bastante tempo impera no PSD e noutras forças deste espectro político.

António Costa ainda quererá ser efetivo primeiro-ministro, ou opta por aguardar a estocada final?


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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