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25-03-2023        Jornal de Notícias

Ontem, o Governo anunciou um novo conjunto de medidas de apoio "às famílias mais vulneráveis e às empresas". No que se refere às famílias (vergonhosamente já temos um milhão e setenta mil famílias com direito a esse "excecional" apoio de um euro por dia), são pequeníssimas "esmolas", algumas delas apenas promessas incertas. Sendo uma resposta insuficiente e tardia, ela só existe porque há um crescendo da luta social. Todavia, a necessidade do aumento dos salários continua ausente dos discursos ministeriais e, sem esse aumento, nos setores privado e público, não se resolvem as carências com que os portugueses se debatem.

Os responsáveis do setor financeiro insistem na necessidade de se manterem as políticas de desvalorização salarial que vêm sendo impostas há longo tempo, em nome de respostas a crises diversas. No setor privado, salvo raríssimas exceções, aqueles que amealham os ganhos vindos da inflação não se dispõem a travar a apropriação de riqueza e a negociar com os trabalhadores e os seus sindicatos a melhoria dos salários. Governo e grandes poderes privados colocam, sem pingo de vergonha, as políticas salariais entregues às sobras que ficarão das apropriações de riqueza a que entendem ter direito, e à sua solidariedade caritativa que, por agora, só é obrigada a chegar até aos mais pobres dos pobres.

Na quinta-feira, foi apresentado, em Lisboa, um livro titulado "A persistência da desvalorização do trabalho e a urgência da sua revalorização", coordenado por Maria da Paz Campos Lima e José Castro Caldas, resultante de um estudo financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, realizado entre 2018 e o final de 2022. Nele participaram 12 investigadores com formações diversas e com focos de investigação em políticas económicas e sociais e da União Europeia.

Da sua leitura decorrem as seguintes constatações: i) a escalada da desvalorização salarial iniciou-se em 2010, disparou com o memorando da troica e com o corte de salários nominais imposto pelo Governo PSD/CDS; ii) teve efeitos prolongados na reconfiguração da estrutura produtiva, a favor do crescimento de setores de baixo valor acrescentado e baixos salários; iii) em 2019 parecia haver um consenso para a valorização salarial, mas a pandemia foi de imediato aproveitada para o prosseguimento da desvalorização; iv) agora, a inflação trouxe o regresso agressivo da retórica falaciosa do sacrifício dos salários.

Castro Caldas, constatando este percurso e ao observar a desfaçatez dos argumentos de banqueiros, de grupos empresariais e do Governo, afirmou que, "contra esta desvergonha, os trabalhadores só têm um caminho a seguir: desenvolverem lutas salariais desavergonhadas". Este tem de ser o caminho. O alojamento, a restauração, os serviços de limpeza e de segurança (e até parte da agricultura), pelas suas caraterísticas limitadoras do crescimento da produtividade, dificilmente incrementarão a melhoria dos salários. O Governo coloca sistemáticos condicionalismos orçamentais, as "contas certas", a justificar a contínua perda salarial dos trabalhadores da Administração Pública. As atuais dinâmicas de emigração e de imigração são causa e efeito de baixos salários.

No presente é bem visível que a degradação do SNS, da Escola Pública, do Sistema de Justiça está profundamente relacionada com a desvalorização salarial e das profissões desses setores. Sem salários dignos e profissões valorizadas, não há direitos fundamentais, não há democracia.


 
 
pessoas
Manuel Carvalho da Silva



 
temas
SNS    salários    escola pública    justiça    economia