1º de setembro de 1939, dia quente no verão europeu, a ansiedade caminha lentamente sob a égide contrariada do relógio. No diário, a caneta debilmente acentua a palavra esperança. O desejo é de que o conflito seja resolvido pela razão. O prazo se encerra, aproveitemos a última hora de paz.
Assim Viginia Woolf descreve a manhã em que a Guerra, ao atingir a maioridade, é declarada. Nada de novo no front. O século XX, impresso em ferro e fogo, denuncia a disseminação da barbárie em guerras de (re)ordenamento mundial.
Se a dramaturgia do terror é infinita, a negação da realidade tornou-se a retórica vazia de um tempo perdido no disparar do fuzil e no explosivo dilúvio. Quem se lembra dos massacres de Wiriyani (Moçambique, 1972), Halabja (Iraque, 1988) e Srebrenica (Bósnia, 1995)? Ou da Pimavera Árabe, em 2010, que resultou em milhares de mortes?
Não há dúvida de que todos os males têm no crescimento econômico sua raiz em comum. O problema consiste em como manter a fonte de riqueza (limitada) em harmonia com a vontade (ilimitada) por mais mais capital. Tudo é válido, desde que proporcione sobrevida para um sistema pleno de contradições.
Em 2019, o presidente da Bolívia, Evo Morales, foi deposto porque defendia o controle dos recursos naturais do país nas mãos do Estado. Essa postura, em oposição às tendências de privatização, foi muito mal recebida por agentes do capital internacional que apoiaram a intervenção militar em troca do acesso ao “petróleo do século XXI”: o lítio. O reagente e catalisador de energia fundamental para o capitalismo verde. Que o diga Elon Musk, CEO da Tesla.
Isso nos faz pensar sobre a invasão russa na Ucrânia. A guerra, que está a completar um ano, desvela em suas entrelinhas uma curiosa estratégia de racionalização transnacional.
Rico em minérios - cobalto, titânio, níquel e lítio - o solo ucraniano é cobiçado para garantir as vantagens competitivas condizentes com o apetite insaciável dos senhores da guerra, pois nesta nova fase de globalização econômica “a crise climática não só alimenta a caça geopolítica as novas matérias-primas, mas também abre novas regiões do mundo ao imperialismo climático, a itensificação da concorrência e a militarização” (Tomasz Konicz, 2023). O que dificulta qualquer acordo de conciliação.
Essa é a espinha dorsal para compreendermos o nosso papel no novo tempo do mundo. Um tempo, conforme Paulo Arantes, “que não lutamos mais para que o futuro seja melhor, simplesmente para que não seja pior” (2014).
Espero que não. Entretanto, não podemos descurar das proféticas palavras de Virginia Woolf: “eis que na hora fria, antes do acender das luzes, eu estava a pensar: vivemos sem um futuro. É isso que é estranho”.