Aceitar sem mais a idade que nos é ditada no registo civil implica uma cobarde cedência aos poderes instituídos. Entre os muitos poderes que nos clamam à capitulação, devemos apontar o dedo à burocracia estatal, a uma noção moderna de tempo linear e, claro, à pressão para festejar aniversários. A ideia de que os aniversários devem ser festejados mais não é do que uma bizarria que nos obriga a declarar publicamente a idade como, ainda, nos insta à performance de um contentamento. Parece-me razoável defender que podemos estar gratos à vida, ainda mais quando somos brindados com saúde e com imerecidas graças, sem ficarmos especialmente felizes com o facto de a nossa vida ser cronometrada algures nos céus ou nas células. É possível não gostar de fazer anos sem ser um vil ingrato.
Da minha parte, sempre fugi dos aniversários. Não o fiz para representar a idade que em cada momento achava mais apropriada, até porque a calvície cedo me pôs no lugar, mas para evitar precipitados festejos com um tema que ainda é novo para mim. Na verdade, à medida que o tempo passa, a idade que me é atribuída parece mais ajustada à minha gradual capacidade de entender como as coisas foram sendo organizadas por aqui.
Mais recentemente, um pouco por acidente, descobri que o aniversário no facebook é uma excelente forma de trocar felicitações que até podem comover. Verifiquei com relativo assombro que basta um elementar “parabéns!” de alguém que há muito fez parte das nossas vidas para que nos sintamos carinhosamente afagados; para que, enfim, nos sintamos atravessados por uma circularidade de tempos e memórias que desconcertam a tal linearidade do tempo que sustenta a progressão dos aniversários.
Em bom rigor, a referência mais estável para pensar a minha idade sempre foi o futebol. Não sem ilusões de paralaxe, cresci e fui envelhecendo cotejando a idade dos jogadores que semana após semana espraiavam o pleno da forma – atletas normalmente entre os 18 e os 32. Quando era criança, os “jogadores da bola” eram uma importante referência de um adulto feito. Quanto passei a ter a mesma idade, pareciam-me bem mais velhos, talvez pela gravitas vinda da responsabilidade de marcar penáltis, pelo contrato de trabalho estável, ou pela tendência para casarem cedo e terem filhos antes dos 30. Agora que os ultrapassei, demoro em vê-los como muito mais novos.
Ser mais velho do que os jogadores de futebol deu-me a sensação de que vivemos num presente menos capaz de passado como aquele que um dia partilhei com Maradona. Sei que estou errado e que a nostalgia nos faz mais velhos, mas sei tratar-se de uma nostalgia temática. O facto é que o futebol acaba muito cedo para quem o pratica e esse fim está ligado à despedida do nosso inconfessado desejo de glória, até ali vivido por projecção idólatra. De alguma forma, enfrentar a passagem do tempo implica ir abandonando as velhas bancadas em que partilhei a idade e a ilusão da glória com os Maradonas da vida.