Temos ouvido o Primeiro Ministro (PM) afirmar, sobretudo a propósito da luta dos professores, que não existem direitos e valores absolutos. Contra um direito ou um valor, social e constitucionalmente reconhecidos, há sempre, segundo ele, outro que se alevanta podendo bloquear a realização do primeiro. Trata-se de uma formulação muito vulgar entre juristas e não se lhe pode negar relevância. Acontece, porém, que tal fórmula utilizada de forma oportunista, se traduz - no ápice com que o diabo esfrega um olho - num comércio, sem princípios, dos direitos e dos valores.
Nesta visão comercial, os direitos dos professores teriam de ser pesados na balança, contra outros valores postos em causa, caso a razão dos professores prevalecesse. Quais seriam os valores ameaçados pela realização dos direitos dos professores? As “contas certas”, corre o ministro das finanças a avisar, em socorro do primeiro.
As “contas certas” é o eufemismo inventado pelo Partido Socialista (PS) para designar austeridade. O PS foge do uso deste termo porque a experiência o revelou como violência contra os trabalhadores e a população mais frágil e um empecilho ao desenvolvimento. Ora, parece que a redução da dívida - absoluta ou em percentagem do PIB - não é um seguro para o futuro, nem determina as taxas de juro a pagar. Desde finais de 2021, a dívida desce em valor absoluto e em percentagem do PIB, enquanto os juros sobem. Ou seja, no passado, no presente e no futuro serão, em última instância, as políticas do Banco Central Europeu a determinar a ocorrência ou não de desastres como o de 2011.
É inadmissível que o governo tome a austeridade como um trunfo contra qualquer direito que não lhe apetece ou não lhe convém respeitar. Por muito que o PM diga o contrário, a sua austeridade é tão injusta e irracional como sempre foi noutras versões. Se, pela intransigência das suas políticas, o governo (e o próprio Presidente da República) derrotarem os professores, serão os nossos filhos e netos os verdadeiros derrotados. A educação e a formação serão tolhidas, o nosso futuro coletivo será empobrecido.
As professoras e professores deste país têm sido achincalhados. Chegaram à exaustão em resultado das duras cargas de trabalho letivo e burocrático a que são sujeitos, e estão desesperados perante a mentira e a surdez política dos governantes. São evidentes a desvalorização da profissão e a falta de professores nos próximos anos. Os professores não estão a reivindicar aumentos de salários nem novas carreiras profissionais. Estão somente a clamar contra a precariedade chocante, e a reclamar que lhe contem o tempo que trabalharam (nem o governo nem os partidos o negam) para efeitos de progressão na carreira e consequentemente para a reforma.
O que podem esperar, António Costa e os seus ministros, quando o seu comportamento é de fingimento perante a pressão de justas reivindicações? Ou quando se entretêm a festejar um crescimento económico, cujos resultados não chegam aos mais frágeis nem à esmagadora maioria da população? O que pode esperar o governo, quando os bancos se recusam a cumprir leis que minorariam os custos dos empréstimos para habitação, ou quando o “regulador” do setor das comunicações protesta, mas as empresas impõem aumentos de preços no valor global da inflação e não em função dos custos que registaram?
Uma governação que desrespeita obrigações inerentes ao exercício do poder só pode esperar o protesto e até o desrespeito da sociedade.