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21-01-2023        Jornal de Notícias

Entre as vítimas mais relevantes do neoliberalismo conta-se o planeamento. No maniqueísmo de que se alimentam as teses neoliberais, tudo o que é planeado distorce o sagrado mercado. Ora, planear faz parte de uma abordagem estratégica às atividades da vida. Planeia-se um acontecimento relevante na vida pessoal ou na vida coletiva, um investimento privado ou público a que se dá importância, um rumo para a ação do Estado. Planeamento não é algo que só incumba ao Estado, mas não existe boa governação sem ele.

O objetivo do planeamento democrático é o desenvolvimento humano na sua plenitude social económica e política. Não são exequíveis mudanças transformadoras na educação e formação, na saúde, nos rendimentos do trabalho, na proteção social, na habitação, nas infraestruturas, nas relações entre o Estado e os cidadãos, ou entre o Estado e a economia sem programas de governação com alcance estratégico. O taticismo político, que vive da colocação de pensos rápidos sobre feridas profundas, gera desilusões e é campo aberto para populismos.

Ao contrário do que parece, o neoliberalismo não dispensa o planeamento. Contudo, pratica-o de forma sorrateira e incremental. Começa por desorganizar e desacreditar o planeamento democrático e a provisão públicas, ficando com o caminho desimpedido para a construção de mercados em praticamente todas as esferas da vida económica e social. Ao mesmo tempo, vai infiltrando elementos de privatização nas instituições públicas - serviços privados parasitários na saúde, na segurança social, em serviços diversos da Administração Pública e do Estado. Por fim, tudo é transformado em mercado: até o "combate à pobreza".


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Aquelas áreas vitais do desenvolvimento, atrás mencionadas, são meros espaços de negócio, feito, cada vez mais, com sucessivos golpes táticos. A institucionalização de "crises", a financeirização da economia, a inexistência de regras ou a utilização de "leis" que permitem a apropriação indevida da riqueza justificam a sucessão de golpes. No planeamento neoliberal, ao contrário do que acontece no planeamento democrático, não há espaço para salvaguardar os direitos laborais, sociais e democráticos, nem para a participação e deliberação pública, e muito menos para o escrutínio.

Os que na ação pública se deixam levar pela ilusão neoliberal autoinibem-se de pensar o papel do Estado na transformação da sociedade, e o valor da participação dos cidadãos na definição do bem comum e no desenvolvimento da ação coletiva. Sem destino pensado não há rumo. Sem rumo, o Estado perde-se na negociação com interesses poderosos e a política transforma-se numa sucessão de manobras táticas desconexas e, em certos tempos, eleitoralistas.

Observando os problemas económicos e sociais com que nos debatemos, enunciam-se quatro desafios prementes: i) o Governo tem de abrir os olhos para a realidade, e assumir que para termos um bom futuro temos de tratar eficazmente o presente; ii) é preciso abertura política e capacidade para identificar tendências que condicionam o futuro; iii) há que garantir a participação dos portugueses nos processos de deliberação pública e barrar caminho a compadrios de qualquer tipo; iv) e mobilizar e responsabilizar todos os atores sociais e económicos na ação coletiva, pois compromissos unilaterais assentes ou não em boas vontades, não transformam nada.

Estes desafios são, também, caminhos seguros para devolver vida ao tão necessário planeamento público democrático.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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