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14-01-2023        Jornal de Notícias

Muito se tem escrito e dito sobre a necessidade de escrutínio rigoroso aos governantes e aos servidores públicos. Uma abordagem séria sobre as práticas a adotar para tratar esta delicada matéria constituirá um exercício de grande importância para a qualidade da governação e para a democracia. Contudo, os problemas em causa não se situam apenas na esfera pública. A sociedade funciona com sistemas complexos de vasos comunicantes entre o público e o privado. O escrutínio e a exigência de princípios éticos não podem ser barrados na porta das empresas ou de organizações não públicas.

A discussão dos "casos" que estão na origem destas problematizações tem feito emergir conceções que merecem reflexão. Primeira, em regra, as personagens políticas e indivíduos envolvidos em situações suspeitas - sejam secretárias (os) de Estado, ministros, autarcas ou dirigentes partidários - proclamam sempre que "estão de consciência tranquila, que a sua vida é pautada pela competência, pelo rigor, pelo cumprimento da lei e por valores éticos", como se a ética fosse um conceito tipo fato feito à medida. Os diversos patamares do escrutínio é que determinam se aquelas afirmações são ou não válidas. E o cumprimento da lei pode estar longe de significar respeito por princípios éticos.

Esta semana, o primeiro-ministro, aparentando mais tranquilidade, deu, na Assembleia da República, respostas coerentes sobre a atuação de duas ex-secretárias de Estado. Todavia, colocou parâmetros errados para avaliar as práticas da Administração da TAP. Parece que tudo será esquecido se houver um "bom negócio" com a privatização daquela companhia. Concretizada a operação, a Direita encarregar-se-á de esconder, por detrás do véu dos assuntos privados, as embrulhadas que por agora critica.


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Segunda, quando se fala de orientações estratégicas desastrosas por parte dos governos na gestão de serviços e empresas públicas, da utilização do Orçamento do Estado para cobrir buracos da gestão privada, por exemplo no setor financeiro, soam alertas porque se está a ir aos bolsos dos contribuintes. Mas, quando se observam desastres idênticos na esfera do privado, as vozes da Direita calam-se. Dizem-nos que os trabalhadores e os cidadãos não têm de se pronunciar porque o setor privado pode fazer a gestão que quiser, o dinheiro pertence-lhes.

Ora, a riqueza privada - na forma como é adquirida e na utilização que dela é feita - não é uma questão que diga respeito apenas a quem a detém. É assunto que convoca, sempre, exame em toda a sociedade. A democracia exige garantia de direitos fundamentais e reserva da vida privada, mas essa reserva nunca é absoluta. Mesmo no âmbito da família entra a observação da sociedade. Sempre que é necessário aciona mecanismos de proteção de quem está fragilizado e castiga quem abusa do poder. Só a riqueza material é um exclusivo total de quem a detém?

Quando a qualidade do emprego é baixa e obriga os jovens a emigrar, não é todo o país a perder? Os acionistas de uma empresa que elevam os seus lucros à custa de salários de miséria, de precariedade de trabalho, de não pagamento pleno de impostos, ou quando aproveitam a inflação para reforçar ganhos, não estão a ir aos bolsos dos trabalhadores e dos consumidores? Têm os gestores de "elevado mérito" o direito de se autorremunerarem, principescamente?

Há um combate político a fazer. Os portugueses têm de travar todos os abusos: na esfera pública, como na privada.


 
 
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Manuel Carvalho da Silva



 
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