O lamaçal político que se vem formando na vida política portuguesa pode provocar uma acelerada erosão da confiança dos portugueses no governo e perigos para a Democracia. Se o Primeiro Ministro não quiser reconhecer os seus erros, focar-se nas respostas aos problemas das pessoas e do país e abandonar vícios negativos - se for um problema de húbris será difícil -, e se o Partido Socialista (PS) não for capaz de estancar a incompetência, a incúria e cegueira que marcam vários planos da governação, o cheiro a traição política começará a ser forte.
As dinâmicas conservadoras e fascistas, que atravessam a organização e funcionamento da sociedade, aproveitam aquele sentimento e fazem-no confluir com os objetivos estratégicos que prosseguem, encurtando perigosamente a distância entre o golpe e o derrube constitucional do governo.
A Direita não tem um programa político alternativo porque a hipótese de se alcandorar ao poder, no atual contexto, impõe a todas as suas componentes uma estratégia de não exposição do fundamental das políticas que implementariam. A aparente incapacidade da liderança do PSD é uma decorrência dessa realidade e do jeito que lhes dá o pântano dos “casos” políticos.
Observando todo o espectro político nacional e a influência da conjuntura europeia e internacional, podemos ter a certeza de que uma solução política alternativa ao atual governo, por agora, só pode vir da Direita e nela estará seguramente a extrema direita, que tem sempre programa preparado: aniquilar o regime democrático. E temos um Presidente da República, cuja “atuação peculiar” é bem mais propensa à gestão de “casos”, que à defesa consequente da Democracia e de direitos fundamentais dos cidadãos.
O que mais contribuiu para a formação da maioria absoluta, conquistada pelo PS no ano passado, foi o objetivo de barrar o caminho à Direita, em particular à extrema direita. Por outro lado, é preciso relembrar que a esmagadora maioria dos portugueses (as sondagens provavam-no) fazia um balanço positivo das políticas do governo, que eram apresentadas como políticas de esquerda. António Costa e o PS acordam para os desafios que se colocam a um grande partido da democracia, ou dispõem-se a dar o ouro ao bandido?
António Costa teve desprezo pelo espaço e pelos fundamentais objetivos programáticos dos seus parceiros da “Geringonça”, que claramente não eram empecilho a uma boa governação. Abusou de descomedimentos e em certas situações foi arrogante. Agora parece prosseguir com a mesma atitude, mas dirigida diretamente aos cidadãos que lhe deram a maioria absoluta.
Hoje não chega dizer que se entregue à justiça o que é da justiça e à política o que é da política e ficar á espera. O neoliberalismo entranhou-se, vai negando espaço à ética, apostando forte na judicialização da política e reclamando a gestão do Estado com regras do privado. A apropriação indevida de riqueza (o roubo) é, no essencial, legal. Grandes atores económicos e gestores apresentados como modelo são valorizados pela capacidade de fazerem negociatas escondidas, por fugirem ao fisco, por serem capazes de despedir barato e impor baixos salários.
Não estranha, pois, que candidatos a governantes se esqueçam das exigências éticas. Contudo, é doloroso ver Ministros na mesma onda, insistindo na valorização dos currículos dos “talentosos quadros” impedidos de governar.