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27-12-2022        Público

Na semana passada, o Estado alemão devolveu 21 peças dos famosos bronzes do Benim à Nigéria. Cento e cinquenta anos após terem sido roubados ao continente africano, a ministra dos Negócios Estrangeiros alemã, Annalena Baerbock, e a ministra da Cultura, Claudia Roth, viajaram para Abuja, a capital da Nigéria, para as entregar em mão ao ministro dos Negócios Estrangeiros nigeriano, Geoffrey Onyeama. Com este gesto simbólico, a Alemanha sinaliza que leva a sério a forma como lida com a sua herança colonial.

“Foi um erro roubar os bronzes. Foi um erro mantê-los. Já há muito tempo que deviam ter regressado ao local de origem”, foi assim que a ministra resumiu a decisão do Governo alemão de devolver os bronzes cem anos após tentativas infrutíferas da Nigéria de reaver o seu legado cultural. Em Julho, o Estado alemão assinou um contrato com o país africano, passando-lhe a propriedade das 1110 figuras dos bronzes do Benim que tinha em sua posse. Os 21 bronzes, que agora foram entregues, ficarão expostos num pavilhão em Benim City que a Nigéria está a construir com o cofinanciamento de 4 milhões de euros do Estado alemão. O pavilhão ficará situado perto do Museu Edo de Arte Africana Ocidental, que será desenhado pelo arquiteto ganês-britânico David Adjaye.

Os bronzes de Benim são um grupo de painéis e figuras de latão e bronze, fabricados pelo povo edo do reino de Benim, hoje situado no Sul da Nigéria. Eles são um dos registos mais significativos da arte oriunda do continente africano. Saqueados por britânicos em 1897, foram vendidos em Londres a museus da Europa e dos EUA. Durante o imperialismo, as principais metrópoles europeias lançaram-se numa senda de aquisições de objetos etnológicos para os expor nos respetivos museus, não apenas por interesse artístico e etnológico, mas também como demonstração de poder. As 1100 peças em posse dos museus alemães estavam em museus de Berlim, Hamburgo e Estugarda.

Esta cerimónia foi, pois, o culminar de todo um processo em torno da questão de como a Alemanha lida com a sua herança colonial. Após décadas de doloroso confronto com o seu passado nazi, o Governo alemão foi acusado de “amnésia colonial”, aquando do debate sobre o genocídio dos povos herero e nama em 1904-1908, na antiga colónia alemã do Sudoeste africano, hoje Namíbia, e subsequentes pedidos de restituições africanos. O recente projeto do Estado alemão de fundar o museu etnológico Humboldt no centro de Berlim reunificada e aí expor alguns dos 440 bronzes do Benim, que estavam em posse do museu etnológico da capital, reacendeu a questão em torno do passado colonial.

A acérrima crítica da sociedade civil ao projeto e seus iniciadores foi potenciada por outros debates que nele se entrelaçaram, assim como pelos novos meios de comunicação social. O discurso de Macron em 2017 em Ouagadougou, Burquina Faso, sobre África e a intenção de restituir os objetos dos museus franceses aos africanos, marcou uma mudança paradigmática na abordagem do tema que deu ênfase acrescido ao debate alemão. Pouco depois, em 2018, os partidos então no Governo alemão comprometeram-se a lidar com a questão colonial, fixando esse compromisso no tratado de coligação.

A notícia sobre a devolução dos bronzes certamente será lida com atenção nas metrópoles europeias, incluindo Lisboa, assim como pelos responsáveis dos museus com acervos de arte roubada, especialmente os museus que ainda detêm importantes coleções dos bronzes do Benim. Não surpreende, pois, que logo após a cerimónia festiva os olhos nigerianos se tenham dirigido para Londres, num apelo a que a capital britânica revele leadership e acabe com o seu silêncio secular em torno das restituições.

O Reino Unido não só teve o maior império colonial, que incluía a própria Nigéria, mas foi também o país que saqueou os bronzes num ato de vingança colonial brutal, antes de os vender na sua capital. É também no British Museum, ou Brutish Museum, como classificou o arqueólogo britânico Dan Hicks, que se encontra a maior e mais valiosa coleção dos bronzes de Benim. A segunda encontra-se na Alemanha e a terceira no Metropolitan Museum of Art em Nova Iorque.


 
 
pessoas
Clara Ervedosa



 
temas
história    museus    cultura    Alemanha    colonialismo    África