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13-12-2022        A Tarde [BR]

“Mrs. Dalloway disse que ela mesma iria comprar as flores”. Assim começa o livro que consagraria Virginia Woolf. Publicado em 1925, apenas três anos após o lançamento de Ulisses, a obra-prima de James Joyce, acompanhamos a odisseia de Clarissa Dalloway no dia de seu aniversário. O cenário não é a Dublin de Bloom, mas a Londres marcada por inúmeros encontros e desencontros ao soar intermitente do Big Ben.

O relógio, definitivamente, estabelece limites entre passado e presente. Ordena a cronologia de personagens que se entrecruzam no cotidiano de Mrs. Dalloway. Clarissa, a propósito, é a voz que nos auxilia a compreender a relevância dos fatos que preenchem a narrativa de luz e de sombras. Woolf, deste modo, estabelece como estrutura literária o monólogo interior ao desvelar o fosso psicológico na superfície do romance. Método germinal que será utilizado, também, para desenvolver “O Farol” (1927) e “As Ondas” (1931).

Distanciando-se criticamente do modelo determinante, aquele dos pais fundadores do romance inglês - Samuel Coleridge e William Wordsworth - em que a construção teórica estabelece o ritmo da prosa, Woolf busca amparo nas ideias próprias. Em abordagens sobre a condição humana, as idiossincrasias da sociedade produtora de mercadorias. Neste contexto, tinha consciência das barreiras que teria que suplantar para ser reconhecida e respeitada como escritora. O caminho à liberdade criativa - aberto as duras penas por Jane Austen, George Eliot, Charlote e Emily Brontë  - dependia de “um quarto só seu”.

Em outras palavras, de autonomia financeira e jurídica. Pois mesmo detentora dos meios - caneta, papel e talento - a conquista de cidadania não poderia ser negligenciada se quisesse dar asas à imaginação e romper com grilhões deste mundo dominado por homens e sob ditames do patriarcado. Contudo, a letargia que envolve a escrita emancipatória pode, a qualquer tempo, ser interrompida violentamente pelo aviso de que as mulheres estão a se descuidar de seus compromissos como “anjos do lar”. Afinal, “embora os homens se dêem sensatamente grande liberdade nestes assuntos, duvido que entendam ou possam controlar a extrema severidade com que condenam essa mesma liberdade nas mulheres” (WOOLF, 2022, p. 433).

Resgatamos Mrs. Dalloway que, enquanto se dedica aos preparativos do jubileu, principia a reflexão sobre a incompletude do SER. Ao questionar a sociedade regida pelos bens materiais e irracionalidade, na imensidão do tempo, entoa os obstáculos que terá que enfrentar para realizar a liberdade. Diz, na voz de Woolf, que seu tempo terminou, mas elas não têm que ficar por aqui. Que possam ser diferentes, livres e criativas. Há muito que conquistar. Parabéns Clarissas.


 
 
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Antonio Carlos Silva