Lisboa cidade, o seu concelho e a sua Área Metropolitana sofreram, em menos de duas décadas, transformações profundas que tolhem o seu processo de desenvolvimento. Os efeitos da crise da austeridade do início da década anterior foram aprofundados e ampliados pelos da "grande paragem" de 2020/2021, a nova crise que emergiu da pandemia. Os impactos cumulativos destas duas crises constituem-se como um ciclo recessivo que atingiu toda a estrutura socioeconómica da metrópole, já anteriormente marcada por desigualdades e fragilidades acumuladas num tempo longo.
As opções assumidas nesta metrópole são os mais determinantes para marcar o perfil da economia do país e do regime de acumulação que imbrica o setor financeiro e o setor imobiliário, para a definição dos papéis e funções do Estado em vários campos e, por consequência, das condições de emergência de novos mercados e modelos de negócios. Por outro lado, Lisboa, na tripla dimensão que comecei por enunciar, que está no centro da competição entre metrópoles na escala transnacional.
O impacto cruzado de políticas urbanas e de habitação favoráveis aos interesses imobiliários, do pacote sedutor de fluxos internacionais de capitais dormentes (acumulados à espera de destino) e do privilegiar de políticas industriais e de transportes expansivas de atividades ligadas ao turismo foram decisivos para que a metrópole se apresente agora como o espaço onde grandes problemas do país têm uma expressão mais cavada.
Estas constatações estão bem identificadas e analisadas, numa publicação recente do Observatório sobre Crises e Alternativas. (*) A Área Metropolitana de Lisboa foi, e continua a ser, o mais relevante palco da desqualificação económica do país ao longo da última década. Prosseguindo as atividades de baixo valor acrescentado, os baixos salários, as precariedades e desigualdades, irão sendo induzidas mais debilidades para o interior da metrópole, nomeadamente na sua configuração socioterritorial, e dela vão emanando impactos negativos para as políticas nacionais.
A cidade de Lisboa foi polida por fora, desde logo nos espaços de promoção de consumo lúdico-turístico. Tornou-se sedutora para quem aí circula e para estranhos que nela procuram observação e relacionamentos de ocasião. Ao mesmo tempo, esvaziou-se por dentro. Muitas das pessoas que aí habitavam foram empurradas para a periferia; a grande maioria de quem nela trabalha faz hoje sacrifícios acrescidos para ir e para regressar do trabalho ou para tomar refeições; as famílias dos estudantes que frequentam as suas universidades são mais exploradas; só uma ínfima minoria de jovens pode sonhar viver em Lisboa.
Parte deste caminho foi percorrido com a complacência, ou deslumbre, de uma Câmara e respetivo presidente eleitos contra a Direita. No fim do mandato, o povo desiludido por se sentir escorraçado ou complemento secundário da promoção lúdico-turística, optou por entregar a cidade à Direita, mesmo com esta sem programa e preparação para governar.
No final da introdução da obra atrás citada diz-se que, se houver pressão, talvez se possam dar passos na "erradicação de bolsas de pobreza" e de "situações de carência habitacional grave". Por isso haja desassossego.
(*) 6.° Relatório do Observatório sobre Crises e Alternativas "A Segunda Crise de Lisboa - Uma Metrópole Fragilizada" | Ana Drago (Coord.) |Observatório sobre Crises e Alternativas/Almedina| 2022