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02-12-2022        Jornal de Leiria

A polarização social é um dos temas do próximo Congresso Português de Sociologia. Em algumas das suas expressões, o fenómeno não é novo, mas ganhou visibilidade com a subida de tom de grupos em nada comparáveis. De um lado, vozes radicais da esquerda reivindicam mais do que garantias jurídicas universais, porque a universalidade esconde o padrão das exclusões no acesso aos direitos. Do outro, vozes radicais da direita pedem o regresso da velha ordem, com a violência estatal à luz do dia e o silêncio dos excluídos.

Perante este cenário, há quem defenda o meio termo, mas fazer equivaler bom senso com moderação é uma falácia para aliviar o peso da decisão. Racismo é racismo, sexismo é sexismo, exploração é exploração e não se combatem sem antirracismos, feminismos e anticapitalismos. Cada uma destas palavras contem muitas versões. Não lhes falta crítica ou diversidade. Não assumir de que lado estamos é abrir alas ao opressor. Como disse uma vez aqui, é presenciar bullying e ver dois lados iguais.

Dito assim, é quase óbvio, mas os privilégios trazem palas, que invisibilizam a violência sobre as periferias do mundo. Quando uma figura popular da televisão ridiculariza o conceito de privilégio branco, com o argumento de não podermos entender direitos como privilégios, tem lógica, mas falta-lhe sustentabilidade empírica.

Para uns, a universalidade jurídica é uma garantia, para outros ela significou sempre exclusão, porque nunca couberam na caixinha moderna da normalidade racista e patriarcal. Privilégio branco é poder escolher não ver cores e sentir que a sociedade vai bem. Eu tenho o privilégio de escolher não refletir sobre racismo sem sofrer consequências. A uma criança negra ou cigana, o racismo bate à porta.

O privilégio branco não me defende da violência de género ou da exploração laboral. Em caso de agressão sexual não me sinto protegida pela polícia. A precariedade pesa-me no corpo. Mas quando vejo polícia na minha rua, não me sinto ameaçada. Posso escolher ignorar a violência policial, porque tenho o privilégio de não a ver. A excelente reportagem “Polícias sem Lei”, que revela comportamentos inaceitáveis por parte da polícia e deixa claro que os alvos têm cor e género, não toma todos/as igualmente de surpresa.

Os movimentos sociais antirracistas e feministas têm feito denúncias, que poucas vezes ecoam na comunicação social. O Mamadou Ba tem sido uma das vozes lúcidas e, acrescente-se, pacientes e pedagógicas. Enfrenta hoje um julgamento por nomear a violência que conhece. Podemos escolher enfatizar que os polícias não são todos racistas. Mas o racismo não é pontual. Como o sexismo, é um viés normalizado, que não vai desaparecer com o tempo, porque o progresso nasceu enviesado pelo capitalismo, que precisou sempre do racismo e do patriarcado para prosperar.

Precisamos de outro futuro e para isso de todas as lutas contra a opressão e não das que se alimentam desta. Umas e outras não são polos que se unem. As primeiras pedem uma democracia aberta aos excluídos da história, as segundas o reforço das exclusões.


 
 
pessoas
Sara Araújo



 
temas
racismo    sexismo    exploração