No grande debate sobre o futuro da Segurança Social, realizado em 1997, a tese da insustentabilidade do sistema público, universal e solidário de que os portugueses dispõem foi esgrimida com força, e também marcou presença aquando da última reforma realizada há 16 anos. O tempo mostrou que essas teses catastrofistas não tinham cabimento e que algumas amputações de direitos para gerações futuras não deviam ter sido feitas. O sistema comportou-se com uma solidez bem maior que o vaticinado.
A Segurança Social não está perto da falência, antes mostra inequívoca solidez. Tem aumentado o volume das contribuições; as respostas à pandemia geraram confiança dos portugueses no sistema; provou-se no plano internacional que os sistemas do mesmo tipo do nosso são os mais seguros. Nos últimos anos registaram-se saldos excedentários. O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, no final deste ano, já deve somar 22,2 mil milhões de euros (dinheiro vindo do trabalho) e é possível continuar a reforçar-se se for defendido de aventureirismo especulativo. O relatório do Governo que acompanha o Orçamento do Estado para 2023 apresenta projeções muito positivas.
O sistema ficará em causa se houver cedência à ofensiva neoliberal de individualizar riscos para alimentar negócio. É por isso que foram importantes os combates às tentativas de introdução do plafonamento, ou a derrota imposta ao Governo PSD/PP quando este tentou reduzir a contribuição patronal para a TSU. Entretanto, todos sabemos que o equilíbrio financeiro de longo prazo está sempre dependente da expansão da atividade económica e da boa distribuição da riqueza, de um nível de emprego elevado com salários dignos, do combate à precariedade, do tratamento legal e valorizado da imigração, de políticas que favoreçam a natalidade.
O programa do atual Governo adotou as promessas eleitorais do PS, que se centravam na valorização e consolidação do sistema. Todavia, com o despacho ministerial de 19/7/2022 que criou a "comissão que estuda a sustentabilidade da Segurança Social" emergiu uma alteração nas posições do Governo e, a partir daí, este embrulhou-se em contradições e trapalhadas. O relatório que anunciava uma "antecipação de 13 anos" na pretensa insustentabilidade do sistema é uma peça com objetivos perigosos: fundamentar um corte no valor real das pensões no futuro; criar um referencial utilizado na Concertação Social para travar o crescimento dos salários (tão necessário); utilizar o dinheiro da Segurança Social para alimentar a falácia da política de "contas certas". Direta ou indiretamente a sustentação das pensões é amputada, a proteção reduz-se.
A Organização Internacional do Trabalho defende, e bem, que todo o trabalho deve estar dentro dos sistemas de proteção social. Trata-se de um princípio concretizado nas políticas de cada país. Ora, se o Governo e os "especialistas" chamados a preparar as políticas nesta área optarem por submissão às virtudes do mercado e considerarem que o emprego do futuro é amputado de direitos, individualizado, incerto e mal remunerado, acabarão por nos propor um Sistema de Segurança Social miniaturizado.
Sempre que é insinuada a insustentabilidade, a Direita retrógrada e o lobby do sistema financeiro agitam os tentáculos: cheira-lhes a amplo campo de negócio propiciado por um sistema da Segurança Social em forma bonsai, oferecido de bandeja.